Saúde Animal

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Ofidismo




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Considerações iniciais:
snakecheSerpentes são animais que atormentam os sonhos de muitos a muitos séculos. São animais temidos e odiados pela maior parte da população do planeta, principalmente da metade ocidental, de cultura cristã. Porém este temor e esta aversão a estes animais é completamente injustificada .Esta característica cultural está agregada à história do cristianismo onde já no seu primeiro livro, o Gênesis, nós nos deparamos com a serpente oferecendo o fruto proibido aos pioneiros , Adão e Eva. Por outro lado , na população influenciada pela cultura budista, a serpente é respeitada como animal sagrado, sendo símbolo de prosperidade.

A verdade é que estes seres são animais muito importantes para a cadeia ecológica exercendo o papel de controladoras de pragas tais como ratos, inseto e até mesmo outras cobras. Para nós seres humanos, poucos são os animais que podem nos dar tanto; carne, couro, e o veneno! Sim ,o veneno! E não é para fazer somente soro antiofídico não ! Do veneno das serpentes se extraem proteínas extremamente importantes, base de muitos medicamentos tais como: colas cirúrgicas, remédios para o coração, para quem sofre de pressão , para quem tem problemas de coagulação sangüínea, para o câncer, e muito mais. Basta dizer que já foram identificadas mais de 400 proteínas diferentes nos venenos das diversas serpentes venenosas.

serpentePortanto é importante mudarmos o nosso conceito sobre estes maravilhosos seres vivos. Não devemos teme-los, devemos sim respeitá-los e respeitar o meio ambiente onde vivem. Se necessário, capturar as venenosas e entregar a quem possa cria-las; evite mata-las pois assim você estará não só preservando uma vida animal mas ajudando a salvar diversas vidas humanas.

Objetivos:

Objetivo desta apostila é apresentar um resumo dos conceitos básicos abordados na palestra de ofidismo ministrada pelo Médico Veterinário Carlos Eduardo Silveira Goulart, Cuja intenção é apresentar aos interessados noções sobre serpentes, técnicas corretas de se prevenir acidentes ofídicos , primeiros socorros para os acidentados e técnicas seguras de captura destes animais.

Reconhecendo as serpentes:

Sabe-se hoje que no mundo existem quase 3.000 espécies de serpentes . Só no Brasil são mais de 250 espécies. Mas quais são as venenosas? A minoria , cerca de 70 espécies distribuídas em somente duas famílias: Crotalidae e Elapidae.

No grupo dos Crotalídeos nós temos no Brasil três gêneros de maior importância, que são:

Gênero Bothrops : É o mais importante pois dentro deste grupo encontramos as Jararacas, Urutus, Caiçacas, que são responsáveis por mais de 85% de todos os acidentes ofídicos ocorridos no Brasil.

Gênero Crotalus : São as temíveis cascavéis, caracterizadas pelo seu típico chocalho. São responsáveis pela 2o maior porcentagem doas acidentes em cerca de 8% a 10% do total.

Gênero Lachesis : As Surucucus, atualmente bastante raras em nossa Região, e no Brasil representam cerca de 3% dos Acidentes ofídicos.

Como característica principal para podermos identificar este grupo de outros, podemos notar a presença de um órgão sensorial responsável pela detecção de calor, na face destes animais; a fosseta Loreal . Somente animais deste grupo possuem tal característica. Ou seja se a serpente tem um evidente buraco entre a narina e o olho, de cada lado da face ela é uma Crotalidae e portanto é venenosa. Visualize a figura que se segue e identifique a estrutura. Outras características serão abordadas no transcorrer da palestra.

O grupo das Elapidae é representado principalmente pelo gênero Micrurus que são as corais verdadeiras. Estas são responsáveis por menos de 1% de todos os acidentes envolvendo serpentes venenosas no Brasil.

Apesar da pouca incidência dos acidentes com estes animais a toxina das corais são uma das mais potentes toxinas do mundo, podendo facilmente matar uma pessoa.

Definitivamente não é fácil para um leigo, distinguir entre uma coral falsa de uma coral verdadeira. Existem várias espécies de corais verdadeiras, Com padrões de cores bem distintos. Portanto ao se deparar com uma coral respeite-a como se fosse sempre uma verdadeira.

Didaticamente consideramos estas serpentes citadas acima como as “Venenosas” mas tecnicamente , dentro do grupo das ditas “Não venenosas” existem animais que possuem toxinas, embora estas geralmente são pouco potentes e podem não possuir equipamentos inoculadores de veneno. Mas acidentes com estes animais podem ser perigosos se a pessoa ofendida for por exemplo, alérgica.

Para que o médico possa atender adequadamente um acidentado, é importante tentarmos identificar a serpente que produziu o acidente mas é importante que não se tente matar ou capturar o animal se não estiver adequadamente preparado para isto pois isto geralmente termina em mais acidente e lembre-se : a serpente mesmo morta é perigosa ! seu veneno ainda está lá, portanto não toque sua boca.

Se tiver a oportunidade de observar o animal, preste atenção nos seguintes itens:

A serpente tem anéis coloridos? Então pode ser uma Coral Verdadeira.
Tem fosseta Loreal? : Sim
Com Chocalho? Cascavel!
Com a cauda sem detalhes ? Uma Bothrops (Jararacas)!
Com cauda arrepiada com ponta de osso? Uma Surucucu !
Geralmente, para as pessoas que não tem costume de lidar com serpentes, é difícil num relance conseguir-se identificar uma serpente, salvo as Corais pelo seu intenso colorido ou a Cascavel pelo som do seu chocalho, mas mesmo assim podem haver Cascavéis que perderam o chocalho…

Prevenção, a palavra chave !

“O seguro morreu de velho” nossos avós já nos diziam. Portanto através do conhecimento sobre o comportamento destes animais, vamos determinar medidas de prevenção aos acidentes.

As serpentes venenosas, em sua grande maioria são animais de hábitos noturnos e portanto, durante o dia estão recolhidas aos seus abrigos que geralmente são as tocas em cupinzeiros, ocos em troncos, touceiras de mato, frestas de pedras, etc.. São animais que habitam o solo pois predam roedores, principalmente. Isto não quer dizer que não se possa encontrar uma serpente passeando por aí à luz do dia ou que nunca as veremos em cima de uma árvore, mas as chances são bem menores. Uma vez que elas se alimentam de roedores, podemos imaginar que em locais onde existam muitos ratos, proximidades de paiol de milho, armazéns, locais com lixo acumulado, etc. devem existir mais serpentes. Ocasiões que gerem desequilíbrios ecológicos tais como enchentes, desmatamentos, queimadas etc. podem gerar uma mudança de hábitos nestes animais, e predispor a acidentes atípicos.Sabendo destas características fica fácil concluir que já que ela habitam o nível do chão, a maior parte dos acidentes se dão nos pés e pernas ( Segundo as estatísticas, 80% dos acidentes acontecem nestas partes! ) e se durante o dia elas estão entocadas, não meta as mãos em buracos ou touceiras fechadas ( aproximadamente 15% dos acidentes ), preste atenção na pedra que você vai se sentar e se localizar uma serpente, nunca faça a graça de tentar captura-la com as mãos.

Concluindo:

Use sempre boas botas de canos altos ou perneiras de couro sobre as botinas também de couro. Assim você pode se prevenir daqueles 80% citados acima (Aos que freqüentam a região Amazônica, as Surucucus podem ser uma exceção pois devido ao seu grande tamanho, mais de 2 metros, seu bote pode ser mais alto).

Uso de luvas de couro longas e um bastão longo para explorar as moitas, buracos ou outro possíveis esconderijos antes de por as mãos, mesmo que com luvas.

Uso de roupas compridas de tecido resistente e folgadas, podem desviar o direção do bote e mesmo evitar a mordida no seu corpo.

Prestar atenção no mato as seu redor , “avisando” a sua presença através do uso do bastão longo nas moitas do caminho. Assim as serpentes podem perceber a sua vinda com antecedência e fugir dali, evitando assim a surpresa o susto e o ataque dela. Assim também as Cascavéis podem nos “avisar” com antecedência, a sua presença.

Evite o acúmulo de lixo, proteja os armazéns e paióis contra o ataque dos ratos.

Procure evitar o desequilíbrio ecológico em sua região, leve este assunto à sua comunidade e discuta com a população as práticas que podem levar ou não ao desequilíbrio do meio ambiente, isto é muito importante em todos os aspectos.

Lembre-se:

As serpentes mesmo mortas ainda possuem veneno, não as toque inadequadamente.

Serpentes nadam e muito bem, a água não diminui o seu veneno nem impossibilita o acidente, portanto tome cuidado ao tomar banhos de rio ou em lagoas.

Evite andar pelo mato, gramados ou mesmo jardins à noite, pois é a hora que as serpentes vão à caça.

Nos sítios e fazendas, a presença de galinhas, seriemas, angolas e faisões inibem a presença de serpentes e de roedores.

Mais uma vez lembre-se, até o ” Indiana Jones” tinha respeito ( pavor mesmo !) pelas serpentes, não seja tolo o suficiente para tentar dominar uma serpente com as mãos. Mostre maturidade e bom senso respeitando-a e a si mesmo. Só tente captura-la se estiver devidamente treinado e equipado para isto.

Lembre-se também que todos os animais silvestres são protegidos por leis específicas de proteção, portanto procure respeitá-las.

Acidentes acontecem. O que fazer?

Eventualmente , podemos ter que prestar os primeiros socorros a pessoas (ou mesmo animais ) que possam ter sofrido ofensa por serpentes venenosas, então é muito importante que o socorrista tenha em mente as respostas para as seguintes perguntas:

O que fazer?

O que não fazer?

Quando fazer?

Primeiros socorros não são ‘receitas de bolo’, exigem raciocínio e bom senso. Também exigem conhecimento básicos sobre os venenos:

As Jararacas, Jararacuçus, Urutus etc. ( Gênero Bothrops ) Possuem venenos que atuam principalmente no local da picada, produzindo dor imediata e destruição dos tecidos daquela região. É um veneno predominantemente necrolítico. Ao cair na circulação sangüínea, mais tardiamente ele pode provocar outros sintomas principalmente insuficiência renal . Mas este efeito não é imediato e não é comum a morte de indivíduos adultos por causa imediata do veneno.

O veneno das Surucucus (Gênero Lachesis) tem ação semelhante às das Jararacas, podendo produzir talvez , uma característica hemorrágica mais acentuada.

As Cascavéis, por sua vez possuem toxinas que atuam de duas maneiras distintas; no local da picada, embora seja bem mais discreto que as duas anteriores este veneno pode ter ação necrolítica, e em nível do sistema nervoso central (neurotrópico) determinando o surgimento de sintomas tais como: “Cara de Bêbado”, dificuldade de abrir os olhos, visão embaralhada, etc. São toxinas muito potentes que podem levar à morte se medidas não forem tomadas a tempo.

Já as Corais verdadeiras (Gênero Micrurus) possuem um veneno exclusivamente neurotrópico. É um veneno extremamente potente e pode levar à morte rapidamente (minutos), por paralisia do diafragma. Mas apesar disto este animal tem uma certa dificuldade em inocular adequadamente o veneno, o que nos dá mais tempo para levar a vítima ao atendimento médico.

Com base nestas informações e nas estatísticas descritas anteriormente, podemos concluir que no Brasil, pelo menos 85% a 90% dos acidentes ofídicos são caracterizados por veneno de atuação predominantemente local. É por isto que via de regra não se deve fazer torniquete ou garrote na pessoa acidentada, pois assim estaremos contribuindo para deixar o veneno concentrado em um mesmo local aumentando a destruição causada por ele. Além disto o próprio torniquete, ao impedir a circulação do sangue , pode determinar a morte daquele membro!

Cortar o locar da mordida também não funciona, aliás só aumentam as chances de uma hemorragia, e infecção.

Não há nada que se possa fazer para retirar o veneno do local da picada, não adianta sugar o local, passar fumo, estrume , pó de café, nada. A quantidade de veneno necessária para produzir algum mal é minúscula e se esparrama rapidamente pelo tecido corporal da vítima.

Não adianta dar nada de beber à vítima ,como álcool, querosene, Urina, etc. Estas coisas só fazem agravar o estado geral da vítima.

Somente o Soro Antiofídico adequado, administrado pelo médico, pode curar o acidentado. O acidentado deve ser rapidamente encaminhado ao hospital ou posto de saúde mais próximo. Lá, o médico poderá determinar qual o soro a ser empregado, a dose correta, a via correta de administração e os outros medicamentos e cuidados que também serão necessários. O soro utilizado por pessoas não capacitadas pode ser tão prejudicial quanto o próprio veneno, portanto a aplicação deste ou qualquer outro medicamento deve ser feita pelo profissional competente.

Agora que já sabemos o que não fazer e o porquê, Vamos aprender o que fazer:

Mantenha o acidentado deitado e em repouso, o esforço ou a locomoção própria vai facilitar a absorção do veneno e agravar o estado de saúde do acidentado.

Levar o acidentado o mais rápido possível ao atendimento médico.

Se o acidente for com uma Coral , enquanto a vítima vai sendo levada ao atendimento, é interessante que se enrole por toda a extensão do membro afetado, uma bandagem compressiva, começando pelo local da ofensa e subindo para o restante do membro, tão apertado quanto se fosse para enfaixar um tornozelo deslocado. Esta medida, que não impede totalmente a circulação de sangue pelo membro, irá retardar a absorção sistêmica do veneno, dando ao acidentado mais tempo para ser atendido pelo médico

Por fim, procure saber em sua região qual o posto de saúde ou Hospital que está capacitado para fazer este tipo de atendimento

Técnicas de captura de serpentes venenosas:

Basicamente existem dois pontos fundamentais que devem ser levados em conta quando se faz necessário capturar uma serpente venenosa:

Equipamentos adequados.

Respeito ao animal.

Vale lembrar mais uma vez que em momento algum se colocará as mão no animal.

Vale lembrar também, as leis de proteção aos animais existentes. Tecnicamente é proibido a caça de animais de nossa fauna mas o IBAMA entende que se esta captura, quando necessária , for feita com o intuito de se encaminhar estes animais às instituições por esta autorizada, constitui-se um ato legítimo.

Fundamentalmente são necessários dois equipamentos para se capturar uma serpente, além dos itens de segurança anteriormente descritos:

O gancho:

gancho

Instrumento confeccionado com um cabo de vassoura de aproximadamente 1,5 metros tendo em sua extremidade um gancho que irá suspender o animal.

Caixa para aprisionamento do animal:

Podem ser confeccionada de plástico ou de madeira, devem ter travas para evitar a fuga destes animais, devem possuir também, orifícios de ventilação, bem pequenos de preferência na tampa da caixa.

A técnica é bem simples: Com a caixa já preparada e aberta no chão, você irá passar o gancho por debaixo do corpo da serpente e suspende-la do chão. Levá-la até a caixa, coloca-la dentro e com próprio gancho, fechar a tampa. Pronto você acaba de prender um “monstro tão perigoso” !!!

Mas perceba que a todo instante você nunca esteve a menos de um metro e meio de distancia de serpente, ao mesmo tempo não precisou laçar a cabeça dela nem agredi-la de forma alguma, com isto ela está na defensiva mas não está apavorada tentando desesperadamente fugir ou atacar. Isto é respeito ao animal e segurança a você. Agora certifique-se que a caixa está bem fechada, e guarde-a em um lugar seguro e abrigado do calor ou frio excessivo. Não ponha a caixa no sol nem em interior de veículo exposto ao sol. Não se preocupe com alimentação pois estes animais podem ficar até meses sem comida e se for necessário ficar com o animal mais de uma semana, coloque cerca de 1 centímetro de água no fundo da caixa por uma hora, uma vez a cada 3 dia. Para isto, não abra a caixa. Encha-a pelos furos da tampa e depois a esvazie pelos mesmos furos.

Excepcionalmente, quando lidamos com algumas corais, elas costumam não parar no gancho, dificultando a sua captura. Podemos então captura-las com uma garrafa plástica presa na ponta de um bastão. Para tanto basta coloca-la à frente destas serpentes que elas instintivamente achando que se trata de uma toca, entrarão dentro. Levante a garrafa, tampe-a e faça pequenos furos de ventilação.

Considerações finais:

Como se pode perceber ao final deste artigo, as serpentes não são os vilões que dizem por aí, são animais admiráveis e extremamente adaptados ao seu meio ambiente. O segredo de uma boa convivência com estes animais é a preservação de um meio-ambiente sadio e equilibrado. Procure sempre incentivar o conhecimento e a valorização de todas as formas de vida, pois um dia até as serpentes podem ser úteis a você.

Dr. Carlos Eduardo S. Goulart
Médico Veterinário ,CRMV-4862