O papel da nutrição nos animais imunossuprimidos
x
Imunodeficiência felina
Sou médica veterinária nutróloga e sempre trabalhei com pesquisa de ingredientes funcionais* para animais saudáveis(* aqueles que ao serem adicionados às dietas auxiliam em determinadas funções orgânicas trazendo benefícios à saúde). Recentemente, aceitei um desafio: trabalhar com animais imunossuprimidos, mais especificamente os infectados pelo vírus da imunodeficiência felina (FIV).
Quando comento com as pessoas sobre minha pesquisa, muitos se assustam e logo perguntam: mas gatos têm “AIDS”?
Podem vir a ter uma doença semelhante, sim. Mas, o vírus que os acometem, embora muito parecido com o que atinge os humanos, é específico dos felinos, ou seja, não há possibilidades de alguém se infectar ao ter contato com ele.
Sua transmissão acontece apenas de gato para gato eocorre principalmente por lesões decorrentes de mordeduras, mas também pode passar da mãe para os filhotes na fase uterina, durante o parto, pela ingestão do colostro ou leite e, experimentalmente, já se observou a transmissão oro-nasal e vaginal. Como a forma mais comum de infecção é a mordedura eleacomete na maior parte gatos machos não castrados com acesso à rua (embora possa atingir todas as faixas etárias).
A doença se caracteriza por três fases: a aguda que é semelhante à gripe e acontece logo após o início da infecção, durando poucos dias; o período assintomático chamado de latência que pode se estender de meses até cerca de seis anos; e a fase de imunodeficiência em que a alta quantidade de vírus circulantes, a diminuição significativa dos linfócitos T CD4+ e o desbalanço em sua relação com os CD8+ deixa o organismo susceptível a infecções secundárias que levam o gato à morte.
Essa diminuição da competência imune causada pelo FIV também induz uma alteração na microbiota intestinal. Normalmente, as bactérias que estão neste órgão vivem em simbiose com o seu hospedeiro o que significa que está em equilíbrio com o animal que a abriga e ambos tiram vantagens desta relação. Assim, as enterobactérias, os lactobacilos, bifidobactérias e mais algumas centenas de gêneros que habitam o intestino se nutrem e encontram abrigo, enquanto ajudam no estímulo à imunidade local do animal, na produção de substâncias que podem ser benéficas à saúde intestinal, na síntese de alguns nutrientes (como vitaminas), entre tantas outras funções. Mas algumas destas bactérias só não são maléficas ao gato porque o sistema imune saudável desenvolve uma tolerância a elas. Quando a imunidade é alterada pela presença de um vírus imunossupressor como o FIV ocorre um desequilíbrio que pode acarretar malefícios aos hospedeiros.
Dentre as bactérias presentes na microbiota intestinal algumas são potencialmente patogênicas, ou seja, tem maior predisposição a causar alterações, tais como Escherichia.coli e os gêneros Clostridium ssp.e Bacteroides ssp. Outras raramente causam danos como os gênerosLactobacillus e Bifidobacterium. Estas duas últimas, popularmente conhecidas como bactérias benéficas, são usadas normalmente como probióticos, um tipo de alimento funcional muito usado atualmente. Para humanos, produtos como Yakult® (a base de Lactobacillus casei shirota) e Activia® (com Bifidobacterium animalis) são bem populares. Probióticos para animais com composições específicas também estão disponíveis nos petshops e são usados em gatos saudáveis como preventivo e nos estados de convalescença e recuperação de doenças intestinais.
Em alimentos comerciais, como a utilização destas bactérias é difícil devido ao processamento térmico pelo qual passam e que mataria todas estes microrganismos potencialmente benéficos acrescidos à ração, é comum que se use uma substância denominada como prebiótico que é um tipo de fibra que auxilia na seleção das bactérias benéficas e na diminuição da população potencialmente patogênica. Os mais usados são os frutoligossacarídeos e o extrato de parede de levedura que contém mananoligossacarídeo e beta-glucanos. Estas substâncias podemauxiliar no equilíbrio da microbiota e/ou possuir funções benéficas diretas sobre o sistema imune.
Algumas pesquisas já foram feitas com seres humanos HIV+, mas não há dados para o uso em gatos acometidos pelo FIV. É o que estamos estudando agora na Universidade de São Paulo com o apoio da FAPESP. O estudo ainda está em curso e os resultados sendo avaliados, mas o uso de prebióticos nas dietas é uma promessa para a melhoria da qualidade de vida e o aumento da longevidade dos animais FIV+.
Medica Veterinária