Monoculturas de milho transformam hamsters em canibais que comem as suas crias, diz estudo
-09 de Março de 2017-
Os hamsters europeus vivem, hoje em dia, num mar de monoculturas de milho e isso tem graves consequências para a espécie, diz um estudo.
Um estudo recente que explora os “problemas ligados às monoculturas” revelou que uma dieta de milho transforma os hamsters europeus – uma espécie ameaçada na Europa ocidental – em “canibais enlouquecidos”, que devoram as suas próprias crias.
“O habitat dos nossos hamsters está em colapso”, disse Gerard Baumgart, presidente do Centro de Investigação para a Proteção Ambiental na Alsácia e especialista em hamsters europeus (Cricetus cricetus).
“Os pequenos roedores, que outrora tinham à sua disposição uma variedade de cereais, raízes e insetos, vivem, hoje em dia, num oceano de monoculturas industriais de milho. Segundo os cientistas, esta dieta monótona está a deixar os animais famintos, devido à falta de uma vitamina em particular: a B3 ou niacina.”
A equipa de investigadores, liderada por Mathilde Tissier da Universidade de Estrasburgo, fez esta descoberta quase por acaso, quando estudava o efeito da dieta dos hamsters na sua capacidade de reprodução na natureza.
Os investigadores submeteram espécimes selvagens a dietas à base de trigo ou milho, acompanhados com vermes ou trevos. Não havia grande diferença no valor nutricional básico dos diferentes menus e os cientistas não observaram uma diferença notória no número de crias que nasceram.
Já no que diz respeito à taxa de sobrevivência das crias, a diferença foi dramática. Cerca de quatro quintos das crias das progenitoras com uma dieta de trigo e trevo ou de trigo e vermes chegaram à fase do desmame com êxito. Apenas 5% das crias cujas progenitoras se alimentavam de milho chegaram a essa fase.
O aspecto mais inquietante, contudo, foi a forma como morreram. “As fêmeas colocaram as suas crias nos seus montes de milho e comeram-nas”, declararam os cientistas. “As crias ainda estavam vivas nessa altura.”
Houve outros sinais preocupantes: os animais corriam em círculos “trepando e batendo nos seus comedouros”, quando os cientistas entravam na divisão; apresentavam línguas inchadas e escuras e o sangue ficou tão espesso que era difícil recolher amostras.
Os cientistas desconfiaram que por trás destes sintomas estaria a carência de B3, que é associada ao síndrome da “língua preta” nos cães e, nos humanos, à pelagra, também conhecida como a doença dos 3 Ds: diarreia, demência e dermatite (como eczema).
Segundo os investigadores, “dietas à base de milho incorretamente cozinhado têm sido associadas a níveis mais elevados de homicídio, suicídio e canibalismo entre os seres humanos.”
Para confirmar que a carência de B3 era realmente responsável pelos comportamentos observados, os cientistas voltaram a dar aos hamsters uma dieta à base de milho, mas desta vez enriquecida com B3. A dieta enriquecida foi suficiente para eliminar os sintomas alarmantes.
“Sabendo nós que estas espécies já enfrentam muitas ameaças e que a maioria delas está em risco de extinção, é urgente a restituição de um conjunto variado de plantas nos sistemas agrícolas”, insistem os investigadores no seu estudo, que foi publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society.
“A monocultura na agricultura é muito prejudicial à biodiversidade”, disse Gerard Baumgart. “Agora precisamos de tomar medidas concretas.”