Saúde Animal

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Minha Psicoterapeuta Passou Para a História




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capa25 de janeiro de 1995

Quando acordei, Anka vom Haus Klem já não respirava mais. Sentí o que todo mundo sente quando perde um ente querido. Meu primeiro impulso foi humano: escrever um artigo contando como sofri com o desaparecimento dela. Mas isso não traria substrato algum e estaria contra tudo o que ela me ensinou.

Este texto deverá conter tudo o que, de BOM e POSITIVO, a Anka deixou para a humanidade. Ela foi gênio!

Posou, pacientemente, com um haltere na boca, num estúdio de fotografia, cheio de refletores, com uma maritaca passeando por cima de sua cabeça, até conseguirmos um flash com a Zeca (maritaca) empoleirada no haltere e de frente para a câmera: foi CAPA do livro Adestramento Sem Castigo.

Anka conquistou árbitros cinófilos com seu simpático latido durante sua apresentação em pista: foi Grande Campeã.

ankaAnka fez demonstrações de adestramento encantando as crianças e apaixonando seus pais: latia para pedir coisas, levava crianças à cavalinho para passear, brincava com os filhos, enquanto seus pais estavam ocupados, e tomava conta deles. Todos queriam uma cachorra assim: foi uma Grande Anfitriã.

Na intimidade do lar, Anka participou de todas as nossas festas, reuniões, aventuras e experiências; foi uma inigualável companheira nas horas de dificuldade, desde o café da manhã até o boa noite.

A grande lição de vida

Anka me fez compreender que um cão jamais faz coisas erradas.
Isto me foi ensinado da forma mais lógica que um ser humano não consegue raciocinar: o conceito de coisa errada foi criado pelo homem, portanto se um cão faz algo que NÓS consideramos errado, fomos nós que não conseguimos explicar a eles que aquilo é errado… e o erro é nosso.

Anka me mostrou que enquanto nós, humanos, precisamos fazer anos de psicanálise para viver o “aqui e agora”, os caninos só conseguem viver desta maneira. Eles desconhecem o lapso de tempo de a dimensão do espaço; portanto não compreendem, por absoluta incapacidade de avaliação dessas dimensões, o passado e o futuro; assim, só vivem o presente.

Um cão não consegue associar, qualquer agressão nossa, a alguma coisa que tenha feito no passado, mesmo que esse passado seja de alguns segundos, portanto:

Castigar um cão para que aprenda a lição e nunca mais repita, além de ser anti didático é totalmente ineficaz.

Quem já tentou explicar a uma criança de uns dois a três anos o que é ontem, amanhã, quinze minutos ou semana que vem, pode imaginar qual seria a dificuldade com um cão.

Foi assim que nasceu o método sem castigo: Anka vom Haus Klem.

O único animal com capacidade para a obediência é o homem.

Obedecer é fazer o que a gente não está afim, porque alguém está afim… senão!

Para caracterizar a obediência, é absolutamente necessário temer uma represália (futura).

Um cão não obedece !… e jamais obedecerá a quem quer que seja.

Anka, então como é que eu vou ensinar um cão a não fazer xixi no tapete?

A – É impossível ensinar a um animal a NÃO fazer coisas.

– Nós, animais, só conseguimos aprender a fazer coisas.
– Em vez de ensinar a não fazer no tapete, você tem que condicionar-nos a fazer no lugar da sua melhor conveniência.
– Se você zangar com um cão no exato momento em que ele estiver fazendo xixi no seu tapete persa, assustado, ele vai parar instantaneamente. Na segunda vez que você pegá-lo em flagrante fazendo xixi, terá ensinado, tão somente, que você não gosta que ele faça xixi, e mais…, quando ele fizer, sem você estar olhando, e nada acontecer, terá aprendido a fazer escondido.
– A sua fantasia, Bruno, exige um cão companheiro, educado, valente e, principalmente que, proferida uma palavra de ordem, a execute, para seu orgulho, com presteza e perfeição. Mas, para isso, vocês humanos não querem fazer esforço algum.
– Para vocês humanos, inteligentes e civilizados, o bom comportamento nada mais é, do que uma obrigação, não deve ser premiado.
– O erro é que merece a sua atenção e a sua preocupação.
– Quando você está lendo, estudando ou redigindo uma matéria importantíssima e eu ao seu lado quietinha e bem comportada, não estarei fazendo mais que minha obrigação. Jamais terei sua atenção, porque sua tarefa é tão importante, que você não pode desviar sua atenção nem por um só segundo.
– Agora, se eu pegar seu sapato e sair correndo, você larga tudo o que era tão importante e sai correndo atrás de mim.
– Eu acho que você gosta que eu pegue seu sapato e saia correndo.

É, Anka, você tem razão! A gente só dá valor ao que não presta. A gente só sabe ensinar o que não pode. A gente só aprende o que não se deve fazer.
Sabe Anka, os inteligentes humanos consomem 80% de suas vidas pensando, exatamente, no que não querem.

A – Pois é Bruno, e tem uns humanos que estudam a fundo tudo o que não pode e depois escrevem num papel e chamam de lei.

Isso, Anka, lei é um texto que descreve, com detalhes, as coisas proibidas e estabelece um
determinado valor para cada coisa que não se deve fazer.
Se eu matar uma pessoa, terei que pagar 15 anos de reclusão, mas se for a primeira vez tenho 50% de desconto e se tiver bom comportamento ainda ganho um bonus de 25%.
Anka, eu tenho a impressão que você me conhece muito mais do que eu conheço você…

A – Claro, Bruno, você está sempre ocupado. Eu não tenho nada prá fazer o dia inteiro… minha cama é gostosa, a comida vem na hora certa… meu passatempo é ficar olhando prá você e tentar adivinhar o que você vai fazer. Então eu já sei um monte de coisas, por exemplo:

– Quando você pega a minha coleira é porque vai sair comigo.
– Quando você se arruma todo elegante, já sei que vou ficar sozinha.
– Quando você fala: Vom prá piscina! é o que eu mais gosto.
– Só tenho problemas quando você tenta me ensinar alguma coisa!
– Uma vez é dum jeito, outra vez é ao contrário, aí não consigo lhe entender. Um dia você não deixa subir no sofá, no outro dia você deixa só um pouquinho. Quando você sai eu posso ficar no sofá e ninguém me incomoda. Eu nunca sei…

É que eu sou bonzinho, Anka, e às vezes eu te dou uma colher de chá.

A – Não leva a mal não, Bruno, bonzinho nada, acho que você é maluco.
– Eu quando não gosto duma coisa, não gosto sempre. Quando eu gosto, também gosto sempre.

É verdade Anka, achando que estou sendo bonzinho, na realidade estou passando para você a incerteza das regras do jogo. Nunca poderia imaginar que ser bonzinho, na realidade, é maltratar você, é tirar de você a noção correta do que eu gosto e do que eu não gosto. Já sei! a diferença entre o meu raciocínio e o seu Anka, é que seu raciocínio é lógico e binário e o meu, por ter conhecimento do espaço e do tempo, é cheio de variáveis como talvez, entretanto, só um pouquinho, dessa vez passa, dois erros é mais grave que um e assim por diante.

A – Bruno, o que é raciocínio binário?

Anka, raciocínio binário é o que só tem duas possibilidades de resposta: sim ou não / aberto ou fechado / positivo ou negativo / gosto ou não gosto / quero ou não quero. Posso dizer que o raciocínio canino é igual ao do computador: ligado ou desligado.

A – E porque você às vezes se zanga comigo e não zanga com o computador ?

Anka, você é fogo! Quer saber mesmo? Quando eu zango com você é porque eu perco a paciência.

A – E o que é paciência ?

Paciência é o que nós humanos chamamos de capacidade de aturar coisas que vocês cães fazem e nós não gostamos.

A – Então é a mesma coisa que ser bonzinho?

Sabe que eu não tinha reparado nisto! É verdade, Anka e tem mais, se eu zangar, porque perdí a paciência, na verdade o que eu perdí foi a capacidade de argumentar. Terminou minha competência para explicar. Você ganhou!

Toca aqui, companheira, você me deu uma lição de vida que humano algum seria capaz de dar.

Bruno Tausz
Etólogo
Presidente do Conselho de Cinologia da Confederação Brasileira de Cinofilia
Juíz de Exposição de Todas as Raças
Autor dos livros:
"Linguagem das Cores"
"O Rottweiler"
"Adestramento Sem Castigo"
"Dicionário de Cinologia"