Saúde Animal

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Avaliação Clínica de uma Amostragem da População canina errante…




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AVALIAÇÃO CLÍNICA DE UMA AMOSTRAGEM DA POPULAÇÃO CANINA ERRANTE NO MUNICÍPIO DE MANAUS, ESTADO DO AMAZONAS
CLINICAL EVALUATION OF A STRAY DOG POPULATION SAMPLE IN MANAUS COUNTY, AMAZONAS STATE, BRAZIL
RESUMO: Este artigo revela as condições de saúde de uma amostra da população canina errante de Manaus, Amazonas, questionando os procedimentos de controle destes animais, adotados pela Saúde Pública, limitados ao extermínio coletivo de cães, ao invés da implementação de programas de assistência veterinária à população canina e desenvolvimento de medidas públicas mais responsáveis para com estes animais, através de investimentos em educação sanitária nas comunidades locais.

UNITERMOS: avaliação clínica, população canina errante, enfermidades prevalecentes, saúde pública e veterinária.

ABSTRACT: This article reveals sanitary conditions of a stray dog population sample in Manaus, Amazonas, Brazil, questioning the control procedures of their animals, adopted by Public Health, restricted to dog elimination programmes, to the contrary of implementation of veterinary assistance programmes to the dog population and development of more responsible public attitudes towards their animals, by investiments on sanitary education in the local communities.

KEY-WORDS: clinical evaluation, stray dog population, prevalents diseases, public health and animal health.

INTRODUÇÃO

O controle da população de animais errantes tem sido descrito como uma recomendação estratégica de controle de Zoonoses, principalmente no âmbito do controle da Raiva.

Os procedimentos usados nos programas de controle e erradicação da Raiva urbana têm por objetivo a redução rápida da população de animais susceptíveis, por meio da imunização de cães com proprietário e a eliminação de cães errantes (1).

O último informe do Comitê de Expertos sobre Raiva da Organização Mundial de Saúde, recomenda três métodos de controle da população de cães:

a) restrição de sua movimentação, através do confinamento dos animais por parte de seus proprietários, exigindo participação ativa da comunidade e/ou pressão legal das autoridades locais;

b) controle ambiental, através da destinação adequada do lixo urbano e de resíduos de feiras, mercados, restaurantes e indústrias, visando eliminar os focos atrativos alimentares para cães errantes, o que exige uma efetiva educação sanitária, através de campanhas comunitárias,

e) controle reprodutivo; através do confinamento adequado de fêmeas no cio, mediante aplicações hormonais periódicas ou esterilização cirúrgica.

Os programas de eliminação de cães, por si só, não são efetivos no controle da Raiva. A captura e remoção de cães não são plenamente considerados medidas de controle diretas e eficazes. Benefícios indiretos podem ser obtidos pela eliminação seletiva de cães não vacinados, que não estão em conformidade com a regulamentação de controle e podem estar concentrados ao redor de mercados, abatedouros e indústrias alimentícias. Os principais objetivos do controle da população canina devem estar direcionados para o desenvolvimento de atitudes públicas mais responsáveis para com os cães, controle da reprodução e regulamentação da movimentação urbana destes animais. A promoção da posse responsável de cães deve ser um importante componente de todo programa de controle da Raiva (6).

No entanto, estes métodos ainda são bastante difíceis de serem aplicados em situações circunstanciais amazônicas, onde o investimento em educação sanitária é incipiente, a legislação específica de controle de zoonoses inexiste e as organizações não governamentais de defesa dos direitos dos animais são embrionárias e investidas de um idealismo empírico, romântico e apaixonado.

Outras enfermidades de potencial zoonótico também têm justificado a eliminação sumária de cães errantes, tais como a Leishmaniose Visceral (Calazar) (1).

O objetivo deste trabalho não é apresentar justificativas sanitárias para a manutenção do extermínio de animais em Manaus-AM, mas mostrar através deste levantamento de dados clínicos, que não deve ser somente o controle de zoonoses, o alvo da preocupação veterinária; mas também as nosologias específicas que vêm depauperando, mutilando e sacrificando os anseios de vida dos mesmos, por culpa única e exclusiva da sociedade humana que fecha os seus olhos para o sofrimento destes animais. E neste ponto, cabe lembrar um precioso adágio popular: “os olhos são as janelas da alma e a porta é o próprio coração”. Talvez por isto, se explique existirem autoridades sanitárias insensíveis, proprietários de animais relapsos e desumanos e uma sociedade injusta e ignóbil para com os chamados “vira-latas”.

A Bíblia Sagrada nos exorta em Provérbios 12.10, que: “O justo atenta para a vida dos seus animais, mas o coração dos perversos é cruel” (2).

Aos senhores proprietários de cães que liberam, costumeiramente, seus animais para “voltinhas sanitárias” nas ruas; aos desumanos que abandonam ninhadas em logradouros públicos; às autoridades sanitárias que sofrem de “xeroftalmia político-administrativa” e aos médicos veterinários que não cumprem o seu juramento profissional, direciono este trabalho, com a seguinte declaração:

“Todos os animais existentes no país são tutelados pelo Estado.

Consideram-se maus tratos: manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que, humanitariamente, se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária.

As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros de Sociedades Protetoras de Animais a cooperação necessária para fazer cumprir a Lei de Proteção aos Animais”. (Decreto nº 24645 de 10/07/34, em seus artigos 1º, 3°/ itens II, V e 16º) (4).

MATERIAL E MÉTODOS

Foram avaliados clinicamente, através de inspeção veterinária, 1335 cães provenientes de seis distritos sanitários (Norte, Sul, Leste, Oeste, Nordeste e Centro-Sul) do setor urbano de Manaus-AM, durante cinco meses, quanto ao estado clínico e aos sintomas e lesões apresentados.

Os cães capturados diariamente pelas carrocinhas eram transportados para as dependências do Centro de Controle de Zoonoses, da Secretaria Municipal de Saúde, sendo destinados a um canil coletivo, com capacidade para 30 animais, onde eram dessedentados, alimentados e higienizados, durante setenta e duas horas (prazo legal para resgate por seus proprietários) anteriormente ao sacrifício coletivo.

Não foram mensurados parâmetros clínico-laboratoriais no presente estudo, pela inexistência de um laboratório de referência animal nesta região, devendo-se considerar esta análise como uma pesquisa clínica básica, que deva fomentar futuras avaliações técnicas mais detalhadas e com ensaios laboratoriais específicos.

RESULTADOS

O total de 1335 cães capturados foi submetido a uma avaliação clínica veterinária, sendo definidos três estados clínicos observados: 71 cães (5,3 %) apresentaram estado clínico bom; 624 cães (46,8 %) estado clínico regular e 640 cães (47,9 %) estado clínico enfermo.

Os critérios clínicos adotados para esta classificação foram: estado clínico bom (boa compleição física, boa característica de pelagem e ausência de sintomas e lesões característicos de enfermidades infecciosas e parasitárias); estado clínico regular (sinais de debilidade orgânica, alterações não patognomônicas de pelagem, baixo nível de infestação parasitária e ausência de sintomas e lesões específicos de enfermidades infecciosas); e estado clínico enfermo (sinais patognomônicos de enfermidades infecciosas e parasitárias, debilidade orgânica acentuada, e distrofias músculo-esqueléticas).

Dentre os cães avaliados como estado clínico enfermo (640 animais), observamos o seguinte quadro nosológico: 453 cães (70,8 %) acometidos por sarna (escabiose canina), caracterizada por uma dermatite alopécica pápulo-crostosa generalizada de intenso prurido, nas regiões da cabeça, abdômen e patas; 128 cães (20 %) em estado de caquexia, em conseqüência de severa infestação parasitária associada a acentuado nível de desnutrição; 32 cães (5 %) com sinais de raquitismo, caracterizado por deformações dos ossos longos dos membros anteriores e posteriores e engrossamentos articulares, devido a uma poliartrite crônica e osteodistrofia hipertrófica; 10 cães (1,6 %) com sinais patognomônicos de cinomose, com sintomas respiratórios (coriza muco-purulenta e tosse) associados a uma conjuntivite, sintomas digestivos (vômito e diarréia) e nervosos (mioclonia, paraplegia e paralisia); 10 cães (1,6 %) com sinais de dermatofitoses, com lesões de pele circulares, isoladas ou disseminadas, de bordos elevados, com intensa hiperemia, alopecia e prurido; 04 cães (0,6 %) com problemas oftalmológicos ( opacidade de córnea, ferimentos oculares traumáticos e prolapso de glândula de 3ª pálpebra); 02 cães (0,3 %) com fraturas e traumatismos dos membros posteriores e 01 cão (0,1 %) com prolapso vaginal de causa desconhecida (3) (5).

A tabela I demonstra a representação gráfica de todos os animais observados clinicamente nos diversos distritos sanitários de Manaus, evidenciando a incidência e prevalência de cada estado clínico, acima discriminado, em relação à região urbana em que foram capturados.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Analisando os resultados desta observação clínica, verificamos que somente 5,3 % dos animais capturados pelo Centro de Controle de Zoonoses não representavam riscos de transmissão de doenças infecto-contagiosas ou parasitárias, para a população humana ou animal. Dentre os demais 94,7 %, em maior ou menor grau, este risco se acentuava em razão das lesões e sintomas patognomônicos de infecções ou infestações concorrentes com o acentuado nível de debilidade orgânica e nutricional; como também pela possível incidência de portadores de doenças transmissíveis de potencial zoonótico ou de morbidade específica para a população canina.

Dificilmente os serviços municipais de saúde pública controlarão esta difícil e persistente situação nosológica, pelo ato simplório e radical da eliminação sumária de cães, se efetivamente não for iniciada uma campanha esclarecedora junto às comunidades, quanto à importância do domiciliamento de animais, vacinação antirábica e assistência veterinária periódica, visando elevar a expectativa de vida dos cães e manutenção da sua higidez, pela prevenção simultânea de doenças tais como a cinomose, a parvovirose, a leptospirose (que também é uma zoonose), as adenoviroses e a coronavirose.

Não cabe tão somente aos clínicos veterinários particulares, se empenharem no mister da defesa sanitária da população canina. Também ao poder público, em cuja tutela estão todos os animais, cabe racionalizar os trabalhos de suas unidades controladoras de zoonoses em Saúde Pública, através de maiores investimentos em educação sanitária de suas comunidades locais, visando alterar a distribuição da incidência e prevalência de problemas clínicos em cães, não somente pelo sacrifício indiscriminado de animais, mas através de uma maior e melhor assistência aos mesmos. Devemos todos, em conjunto, aplicar nossos esforços e conhecimentos, com maior respeito e dignidade à vida animal, como seres inteligentes que somos, devedores de nossa responsabilidade para com a população canina.

Acha, P. N. & Szyfres, B. Zoonosis y Enfermedades Transmisibles Comunes al Hombre y a los Animales, 2ª impresión, Washington, OPAS/OMS, Publicación científica nº 354, 1981, 708 p.
Almeida, J. F. A Bíblia Sagrada, 2ª edição, São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993, 1132 p.
Mayr, A. & Guerreiro, M. G. Virologia Veterinária, 2ª edição, Porto Alegre, Sulina, 1981, 472 p.
Rocha, C. M. Legislação de Conservação da Natureza, 3ª edição, São Paulo, FBCN/CESP, 1983, 510 p.
Siegmund, O. H. et al. El Manual Merck de Veterinária, 2ª Ed. en español, Rahway, Merck & Co. Inc., 1981, 1386 p.
WHO Expert Comittee on Rabies WHO Technical Report Series 824, eighth report, Geneva, World Health Organization, 1992, 84 p.

José Brites Neto
Médico Veterinário CRMV-SP 11996
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS