Agressão dos Cães
Uma das maiores preocupações da população das grandes cidades é a agressão dos cães e a grande pergunta é:
Porque os cães atacam crianças inocentes, pessoas idosas que não representam ameaça?
1. Falta de conhecimento de etologia – nossos conceitos de propriedade mascaram a visão da realidade. Nos consideramos “donos” dos animais chamados domésticos da mesma forma como nos considerávamos donos dos escravos no século passado e da mesmíssima forma como nos consideramos donos das mulheres, dos maridos, dos filhos etc. Os pais podem bater em “seus” filhos. Entretanto se um filho bate no pai ou na mãe é considerado um ato absurdamente criminoso e, um cão morder o próprio dono, é considerado um delito infinitamente maior que um marido bater em “sua” mulher.
Entre os lobos, ancestrais dos cães, o conceito familiar é diferente. Ao atingir a adolescência, um filho pode, perfeitamente, disputar com seu pai a liderança da matilha.
O conceito de corretivo, de punição, de castigo para “dar uma lição”, impede que possamos nos aprofundar no conhecimento do comportamento animal.
2. Educação dos filhotes – os humanos, seres inteligentes, passam 80% de suas vidas pensando ex-clusivamente no que não querem. Quando ensinamos alguma coisa a alguém só sabemos ensinar o que não pode. Quando o nosso cão está comportado não faz mais do que a obrigação. Quando ele faz alguma “arte” aí sim, tomamos alguma providência. Assim só damos atenção aos nossos cães quando eles fazem coisas erradas e ralhamos com ele.
Quando dois filhotes até dois adolescentes brincam a brincadeira é de luta: é um zangando com o outro (de mentirinha) o tempo todo. Quando ralhamos com um cão sem estarmos zangados, apenas zangando, ele entende essa atitude como um convite à brincadeira.
Por exemplo: Estamos ocupados trabalhando e não podemos desviar nossa atenção um segundo sequer. Nosso amado filhote nos adora e vem deitar ao lado, comportado. Jamais terá nossa atenção. Aí ele fica meia hora, quarenta minutos, depois se cansa, se levanta e se espreguiça, olha para os lados, olha para nós e continuamos ocupados. Aí ele desiste, olha embaixo da cama e vê um par de chinelos.
Assim que ele pega o chinelo largamos tudo o que era importantíssimo e saímos correndo atrás dele. Pronto! Acabamos de ensinar que, se ele quiser brincar conosco quando estamos ocupados, basta pegar o chinelo. Como ele não chegou a estragar o chinelo, apenas zangamos: ai, ai, ai, não faça isso ouviu? Nesse exato momento damos a ele a certeza que estamos brincando. Utilizamos essa colocação para começarmos a perceber que, sem querer, moldamos o comporta-mento de nossos cães exatamente o oposto do que gostaríamos.
3. Medo – quando escolhemos um cachorro incluímos nossas fantasias e nossas pretensões como itens de seleção, esquecendo que ele irá conviver conosco durante pelo menos 10 anos.Às vezes escolhemos, como se escolhe um bichinho de pelúcia numa loja. Quero comprar um poodle para o aniversário da Lucinha desses bem miudinhos, um microtoy tamanho 00000. Depois ele começa a sujar em casa, cresce e começa a morder, como parte da brincadeira de filhote, com aqueles dentes fininhos a pele delicada da Lucinha. Mamãe corre para socorrer e zanga com o “Fofo” pronto! Já o ensinou a morder a Lucinha para conseguir atenção e a Lucinha, por sua vez já aprendeu que quando o “Fofo” morde, mamãe corre para socorrer. Acabou-se o sossego e aquele filhote, que só seguiu seus instintos, está pron-to para ser doado. Como trata-se de um poodle é fácil doar. E quando a escolha recai num rottweiler?
Outras vezes escolhemos um cão para ser um fiel escudeiro da família. Claro que vamos escolher um cão que meta medo nos assaltantes. Um rottweiler! Só que, quando imaginamos um cão que meta medo num ladrão, do qual temos medo, escolhemos uma raça da qual também nós temos medo. Quando tentamos mexer na comida do filhote ele rosna. Por “respeito” aos direitos do cão de proteger sua comida, deixamos para lá. Por ocasião da sua adolescência haverá, inevitavelmente, uma disputa de liderança como acontece com todas as espécies gregárias de animais. Será estabelecida a pirâmide hierárquica. O cão poderá submeter-se a uma, duas, três, todas ou nenhuma pessoa da matilha. Uma vez fui visitar um dono de rottweiler e, quanto entrei na sala de estar, o Tyson estava no sofá assistindo a novela e o resto da família sentado no chão.
Se o “dono” do cão não tem controle sobre ele, certamente será um filho desobediente. Como irá dar-lhe a educação suficiente para não morder à-toa?
4. Criação – Se alguém decidir criar uma raça nova de pequeno porte, certamente, não vai cruzar um dogue alemão com um fila brasileiro. Se o sonho é uma raça de grande porte não vai cruzar um pinscher com um chihuahua. Da mesma forma se, na sua imaginação, se configura um cão feroz, ele vai escolher para cruzar exemplares de uma ou duas raças que considera bem agressivas. Cruzando sucessivamente cães agressivos o resultado será desastroso. O que o criador tem em mente passa para sua criação. Ao comprar seu mascote você deverá investir algum tempo conversando com o criador para saber o que ele tem em mente.
5. Cuidado com o cão medroso – todos os cães, sem exceção, mordem por medo. Quando temos medo compramos uma arma, se temos muito medo, a colocamos no coldre; se o medo aumentar, sacamos a arma; diante do perigo, atiramos. Ora os cães já nascem com 42 dentes na boca. Seus dentes formam sua ferramenta de trabalho e sua arma. O medo faz parte da estrutura biológica dos animais. É o medo que os conserva vivos diante dos perigos.
A coragem, fator hereditário, proporciona a chance de vencer os medos. Um cão corajoso teme uma menor quantidade de situações e, conseqüentemente tem menos motivos para morder.
É preciso não confundir coragem com agressividade. Um cão agressivo ou é pouco corajoso ou é mal educado.
6. Moda – infelizmente, no Brasil, cães entram em moda. O doberman já teve sua época: ficou marcado como o cão assassino, que morde o próprio dono, que perde a memória após os 3 anos, que a caixa craniana é menor que seu cérebro o qual ficava comprimido causando-lhe dor e, conseqüentemente, seu enfurecimento. O fila brasileiro, infelizmente, já começou mal, com criadores que desejavam que seus cães não pudessem ser tocados sequer por veterinários, só porque eram estranhos. Hoje, tanto o doberman quanto o fila já estão bem socializados. O rottweiler como cão perigoso, muito agressivo, contraindicado para crianças e agora o pitbull, cão de rinha que, quando enfurecido, ataca todo mundo. Felizmente está para entrar em moda o recolhedor do labrador ou, em inglês, Labrador Retriever, cujo conceito geral é de docilidade, meiguice e afabilidade – o “dono” brasileiro de cachorro está mudando.
7. Vergonha de gostar de cães – o cachorreiro brasileiro tem vergonha de dizer que vai comprar um cão porque gosta de cães. Ele sempre tem que justificar porque vai comprar um cachorro no lugar de adotar uma criança pobre: ou para dar de presente para alguém, ou para tomar conta do quintal ou então, porque alguém em casa quer. 70% das raças criadas e compradas no Brasil são as raças de guarda ou de trabalho. Basta pesquisar numa exposição: 70% são cães do 1º, 2º ou 5º grupos. Os outros grupos 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º representam o restante do número de cães inscritos.
8. Ciúme – o humano, principalmente o latino, avalia o tamanho do amor que sente pelo outro, pelo nível do seu sofrimento, quando da sua ausência. Nós sentimos o nosso ego massageado pela incapacidade do ser amado esconder o ciúme. Só que nós estamos acostumados a nos defender dos ata-ques de ciúme, os cães não.
Os animais ditos irracionais expressam seu ciúme através do ato instintivo. Principalmente os cães de guarda: quem não tem ciúme não guarda nada. Quando desejamos evitar o ciúme é ainda pior. Pelo nosso sentimento de justiça, quando temos dois cães, o correto é fazer carinho de mesma intensidade em ambos, ao mesmo tempo. É a melhor forma de arrumar uma briga. Os dois terão ciúme um do outro.
A Administração do Ciúme Canino
Um cão de guarda, tem forte sentimento de ciúme. O ciúme é a maior qualidade que um cão de guarda pode ter.
Numa matilha de lobos, machos e fêmeas convivem na maior harmonia, a exceção é real quando há uma disputa de liderança, momento em que, tanto o líder quanto o desafiante, têm oportunidade de reconhecer a superioridade do adversário e se render. Se nenhum dos dois desistir da luta, esta só terminará com a morte. Os lobos não brigam, porque são livres para retirar-se diante dum confronto indesejável, a não ser pela disputa da liderança.
Os cães, que descendem do lobo, vivem confinados. As baias, dos canis de criação, devem ser individuais, caso contrário, nenhum dos confinados terá a chance de retirar-se diante de um confronto.
Quando naturalmente soltos pelo proprietário um será solto antes do outro, estabelecendo uma preferência.
Toda a primeira briga entre cães, acontece em presença do proprietário, que, certamente, irá apar-tar, mantendo a disputa pela liderança não resolvida e, com isso, a determinação da prevalência dos direitos de um sobre o outro.
Como ninguém deseja arriscar um final desastroso, e com razão, a solução para evitar brigas será jamais agradar dois cães soltos. Se você quiser agradar, deverá manter o outro preso. Para agradar o outro, prenda o que estiver solto, para depois soltar o outro. O mesmo vale para as fêmeas.
Dois irmãos humanos também brigam. Irmãos caninos brigam com dentes. Apesar de tratarmos o nosso cão como um membro da família não conseguimos perceber que a briga entre irmãos, é sempre por ciúme. Um macho jamais brigará com uma fêmea.
A única espécie animal, na qual um macho briga com uma fêmea, é a humana. Exceção feita às espécies de insetos cujo rito nupcial inclui a morte, sempre do macho. Gostar de cães é jamais provocar seu sentimento de ciúme.
Os Sentimentos de Amor e Afeto
O nosso prazer com a manifestação do ciúme canino é inconsciente e automaticamente passado para os nossos cães no momento em que voltando para casa e falamos fininho com eles para fazer festa. Imitamos o choro do filhote. Isso deixa os cães nervosos, supondo que você está sofrendo.
Aflitos, choram e até se urinam, tentam lamber-nos com a intenção de aliviar.
Nossa vaidade interpreta essa aflição como sendo a representação do seu sofrimento com a nossa ausência, alimentando com sadismo o nosso ego.
Se você ama seu cão com sentimento puro, jamais coloque em teste seus sentimentos, permitindo que sofra só para você sentir-se amado.
Ao revê-lo, demonstre apenas sua alegria, falando normalmente, como se já tivesse chegado há 10 minutos.
9. Treinamento errado de ataque – o conceito de treinamento de ataque, mesmo entre alguns treina-dores, está mal direcionado: “o cão deverá atacar qualquer pessoa estranha” é preciso ensinar ao cão a estranhar pessoas. Esta é a melhor forma de se preparar um cão para um ataque acidental.
Quando você coloca um filho seu numa academia de artes marciais, certamente não está preten-dendo que ele arrebente a cara de todos os seus colegas e muito menos do professor. O objetivo é ensinar-lhe defesa pessoal. Com os cães devemos seguir a mesma filosofia.
Pretender ensinar um cão a morder é tão absurdo quanto pretender ensinar um pássaro a voar. Um cão já nasce sabendo morder. O que ele não sabe é como o ser humano briga: socos, pontapés, pauladas, facadas, tiros etc. O que uma academia de defesa pessoal para cães deve ensinar são os “catares” humanos, isto é, como defender-se de um chute, de uma paulada, de uma facada, etc.
Outro ponto importante nessa nova filosofia é jamais ensinar um cão a morder irritando-o, atiçando de modo que ataque sob pressão psicológica, ou seja, ficar cego de raiva. Uma boa academia de judô ou caratê procura ensinar os seus alunos a manter a calma em qualquer situação. Um cão de-verá manter a tranqüilidade durante uma luta contra um ser humano para poder solta-lo quando receber este comando.
Um cão estressado, que “perdeu a cabeça”, não vai soltar sob comando e muito menos interromper um ataque lançado.
Atualmente, um bom figurante (sparring) deve passar segurança aos seu alunos e ensiná-los, principalmente, quando não morder. O cão deve “atacar” por esporte de defesa, por brincadeira, jamais irritado. Um cão de guarda deve ter tranqüilidade suficiente para poder avaliar se o estranho representa perigo real ou não, utilizando seu instinto natural.
Como é fácil de ser observado, meus amigos, em qualquer situação a responsabilidade total é do ho-mem. Essa responsabilidade é dividida entre os criadores irresponsáveis e proprietários problemáticos, sendo que a tendência será de aumentar a carga do proprietário porque poderemos verificar ainda que, desde a escolha da raça, a escolha do nome (um pitbull jamais se chamaria Kiko e um poodle jamais se chamaria Killer) e a educação do cão pode ou não resultar em cães problemáticos.
Etólogo
Presidente do Conselho de Cinologia da Confederação Brasileira de Cinofilia
Árbitro de Adestramento.
Árbitro de Estrutura e Beleza de Todas as Raças.
Autor dos livros:
"Linguagem das Cores"
"O Rottweiler"
"Adestramento Sem Castigo"
"Dicionário de Cinologia"