Considerações Técnicas sobre o Couro Bovino
INTRODUÇÃO:
O pecuarista brasileiro nem sempre dá a devida importância a uma matéria-prima que pode lhe permitir uma maior rentabilidade: o couro bovino. Talvez, isto se deva, primeiramente, a falta de um melhor incentivo financeiro aos criadores, pois o preço pago no abate é efetuado considerando-se, somente, o peso do animal.
Este aspecto, seguramente, tem contribuído para o pequeno aproveitamento desse importante sub-produto animal, o que representa menor ganho aos pecuaristas.
Outra condição que favorece o desperdício é a pouca instrução das pessoas encarregadas na lida do gado, particularmente em algumas regiões do país, onde ainda se praticam hábitos pecuários errôneos.
De acôrdo com os dados do IBGE (1992), no Brasil a quantidade de couro cru recebido pelos curtumes cresceu, em média 10% nos últimos cinco anos. O estado do Rio Grande do Sul é o maior produtor dessa matéria-prima com 7.103.513 unidades, seguido por São Paulo com 4.618.670 e pelo estado do Paraná com 2.947.174 unidades.
A produção total do país atingiu, até o ano de 1989, o montante de 22.074.574 unidades de couro bovino. Este número poderia ser significatrivamente maior. Por isso, e nesse intuito, o presente artigo objetiva mostrar os aspectos que influem negativamente no incremento da produção desse sub-produto. O escopo maior será sugerir algumas medidas técnicas para minimizar danos e prejuízos.
DADOS HISTÓRICOS:
A utilidade do couro na vida do homem é bem antiga. No Egito, encontraram-se pedaços de couro curtidos cerca de 3.000 anos ª C. Na China, a fabricação de objetos com couro já era efetuada muito antes da Era Cristã.
A História registra, ainda, que Babilônios e Hebreus usaram processos de curtimento e que os antigos gregos possuíram curtumes. Além disso, os índios americanos também conheciam a arte de curtir.
A partir do século VIII os árabes introduziram na Península Ibérica a indústria do couro artístico, tornando famosos os couros de Córdova.
Em Pérgamo desenvolveram-se, na Idade Antiga, os célebres “pergaminhos” usados na escrita e que eram feitos com peles de ovelha, cabra ou bezerro. Com o couro se faziam também, elmos, escudos e gibões. Os marinheiros usavam-no nas velas e nas embarcações de navios.
No Brasil, desde que a colonização se intensificou os rebanhos se multiplicaram rapidamente. Os curtumes eram instalados facilmente e o couro era utilizado para se fazer alforjes, surrões, bruacas, mochilas, roupas, chapéus, selas, arreios de montaria, cordas e muitas outras utilidades.
A conhecida Era do Couro no país, com a utilização de matéria-prima na fabricação de vários utensílios domésticos, se prolongou até fins do século XIX.
ORIGEM DOS PREJUÍZOS
São várias as causas que colaboram na desvalorização desse importante sub-produto animal, todas elas relacionadas, direta ou indiretamente, com o manejo do gado do nascimento ao abate.
Conforme recente cartilha educativa do Centro Tecnológico do Couro, Calçado e Afins (CTCCA), no Brasil 60% dos defeitos nos couros se originam na fazenda, sendo 40% por ectoparasitas como carrapato, berne e bicheira; 10% por marcação a fogo feita sem critério e 10% por acidentes com arames, principalmente farpados, chifradas e outros.
Além disso, a reunião do gado no curral de maneira estabanada, principalmente em procedimentos de vacinações, apartações, vermifugações ou desmamas, podem levar a escoriações e feridas predispondo a bicheiras.
Por outro lado, em 10% dos casos os couros sofrem avarias durante o transporte que se realiza com o gado, seja com destino ao frigorífico, exposições ou entre propriedades.
Outra característica interessante diz respeito à perda com o couro durante o processo de abate. Cerca de 15% dos defeitos surgem quando a esfola é mal executada no matadouro.
MEDIDAS PROFILÁTICAS:
O fazendeiro pode e deve adotar medidas preventivas. Para isso, é necessário ter um bom manejo sanitário, evitando que os animais sejam infectados por carrapatos e bernes, além de impedir a instalação e desenvolvimento de miíases, conhecidas popularmente como bicheiras.
Doenças como a fotossensibilidade e a papilomatose (verruga) devem ser logo de início diagnosticadas e combatidas.
A fotossensibilidade é uma enfermidade caracterizada pelo aparecimento de lesões cutâneas acometendo vários animais do rebanho, intimamente relacionada com o pastejo em Brachiaria decumbens.
A papilomatose, por sua vez, é uma enfermidade infecto-contagiosa, de caráter tumoral, manifestada por numerosos papilomas ou verrugas. A forma mais comum, conforme vários estudiosos, é a cutânea, prejudicando sobremaneira o proprietário no valor dos couros e na estética.
É preciso mencionar, como medida profilática, que um aspecto importante a ser considerado é a orientação aos peões ou capatazes, por ocasião da marcação do gado. Este tipo de serviço, quando realizado na fazenda, é caracterizado por muita diversão, deixando de lado características fundamentrais na preservação do couro bovino.
As marcas à fogo, portanto, poderiam ser feitas na face (cara) e membros dos bovinos, evitando sempre as partes altas, pois desvalorizam completamente a matéria-prima. É importante, também, que a marca não tenha mais do que 11 cm de diâmetro.
No sistema de criação intensiva de bovinos, é necessário realizar a mochação dos bezerros no primeiro mês de vida. Esta conduta evita acidentes entre os animais, destes para o homem e tornam as vacas mais fáceis de serem manejadas, facilitando a distribuição no estábulo e diminuindo a área de utilização por animal.
Nos preparativos de leilões de gado, atividade que cresceu muito no Brasil nos últimos 10 anos, é importante poupar o couro dos animais com números exagerados, grandes e feitos com produtos que danificam a matéria-prima.
CONCLUSÕES:
Pela análise baseada nas conotações especificadas profilaticamente, além das observações inerentes aos serviços de campo, transporte e manuseio do gado bovino, é necessário recomendar-se algumas condutas a serem preconizadas de modo geral. Assim sendo, pode-se concluir que, vários dos danos causados ao couro bovino como importante matéria-prima e o consequente prejuízo aos criadores, poderiam ser minimizados procedendo-se assim:
1) exame periódico das cercas da fazenda, sendo de preferência feitas com arame liso;
2) retirada dos objetos que possam machucar o gado no pasto, principalmente restos de destocamento, pontas de tábuas do estábulo e outros;
3) não utilizar ferrão pontiagudo para conduzir o gado, dando preferência aos bastões de choque elétrico;
4) para animais estabulados e em exposições é preciso atenção especial a cama, evitando falta de material e as consequentes escoriações no couro;
5) inspecionar a grade do caminhão boiadeiro, observando se a carroceria está em boas condições para uso, tendo divisões a cada 7,3 m de comprimento, permitindo boa distribuição do gado durante todo o transporte;
6) cuidar imediatamente dos ferimentos acidentais, evitando a instalação de miíases (bicheiras).
7) estabelecer programas de controle de ectoparasitas, como carrapatos e bernes, evitando-se as lesões decorrentes de suas infecções;
8) para casos de esfola manual, solicitar treinamento especial para os funcionários nos frigoríficos, que só devem utilizar facas curvas e bem afiadas no abate;
9) conservar corretamente o couro, realizando a salga no prazo máximo de 4 horas após a esfola, já que 15% dos problemas com os couros são provenientes da má conservação;
10) participação efetiva das escolas de medicina veterinária orientando futuros colegas sobre a importância dessa matéria-prima, não só gerando divisas, como também propiciando novos empregos.
LITERATURA CONSULTADA:
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Médico Veterinário e Professor Associado
na Universidade Estadual de Londrina