Piranhas
DENTES ATERRORIZANTES DOS RIOS
Com o corpo chato em forma de disco costuram alguns rios e lagos, com movimentos rápidos e na maioria das vezes em grupo. A cabeça achatada frontalmente, boca rasgada para região posterior da cabeça e semi aberta deixando amostra dentes triangulares, laminares e aguçados, próprios para cortar e dilacerar. O dois orifícios para respiração e os olhos grandes localizados lateralmente na face, aumentam ainda mais a expressão fria e aterrorizadora (Fig. 1 e 2).
Muitas vezes, por habitar águas de aparência calma e conviver em cardume (algumas espécies), torna-a traiçoeira e fatal. Provavelmente, nenhum outro animal nos rios mete mais medo que a PIRANHA. Tornou-se bem conhecida e muito temida no interior do Brasil desde a época das Entradas e Bandeiras, devido sua voracidade. O simples cheiro de sangue e/ou movimentos imprevistos na água faz com que as piranhas se reunam em dezenas. Nos rios habitados por piranhas, é prudente tomar cuidado, ao lavar carcaças, couro ou quaisquer animais sangrando, pois freqüentemente, elas agridem mãos, pés ou lábios, de pessoas ou animais que ali vão apanhar água ou bebe-la. Costumam permanecer nestes locais longos espaços de tempo, dispersando-se posteriormente quando voltam ao seu comportamento normal (Fig.3).
O temor em relação ao ataque de piranhas deve ser analisado com critério, pois este normalmente está alicerçado numa soma de lendas, relatos fantásticos de homens que vivem em regiões habitadas por elas, leituras mal interpretadas de livros de aventura e em filmes cinematográficos aonde elas chegam até voar para atacar suas vítimas.
As piranhas são peixes predadores por isto se alimentam de quaisquer outros animais, sua dieta usualmente consiste de pequenos peixes, pássaros e animais que por ventura caiam dentro d’água onde elas habitam. Mas não podem ser conceituadas como “devoradoras de homens”. Sim, elas são carnívoras, mas o homem não faz parte de sua cadeia alimentar. As piranhas são antes de tudo umas comedoras de peixes e outros animais aquáticos.
A maioria dos acidentes com as piranhas acontecem quando os dois, peixe e pescador estão fora d’água. Tirar um anzol da boca de uma piranha não é tarefa difícil, mas deve ser feita com cuidado, pois ao menor descuido, seus dentes provarão que são afiados como navalha (Fig 4). A sugestão é primeiramente matá-la e/ou remover cuidadosamente o anzol com alicates (Fig. 5). Após isso, o peixe deve ser colocado em local protegido, de preferência dentro do viveiro do barco. É relatado acidente durante uma pescaria muito movimentada, onde os peixes fisgados eram jogados em qualquer local do barco, ficando espalhados sobre o estrado da embarcação. Em determinado momento, um dos pescadores, descalço, levantou-se e foi ao outro extremo da embarcação. No trajeto, pisou próxima a boca de uma piranha ainda viva. Como resultado, teve seu dedo menor praticamente amputado na hora.
Outro acidente comum é na hora de limpá-las, se não estiverem realmente mortas, é inevitável o acidente, esta observação deve ser feita com muito detalhe porque elas sobrevevivem muito tempo fora d’água, e pode estar sendo passada como morta. E por falar desta capacidade que a piranha tem de sobreviver fora d’água por longo período de tempo. Lembro-me o primeiro contato que tive com uma destas, foi em meados dos anos 70, numa pescaria em forma de caravana com grandes e verdadeiros amigos (Os Bozolas: Sô César, Paulo Capelão e Paulinho “PC”; Adalberto “Bertuin”; Osvaldo Sérvulo; Gilberto Motta; Celso Sapia “jaburu”; João Alberto “Janjão”, Adalberto “Betinho”, Luiz Henrique “Bolo”, Carlos Tavano; os irmãos violeiros Osvaldo e Reinaldo Nogueira…)”. Foi lá pelas bandas de Goiás, especificamente no Rio do Peixe (afluente do Rio Araguaia), naquela época o rio era pouco explorado. De beleza única, com lindas praias recobertas por um manto alvo de areia que fazia contraste espetacular com o verde das vegetações que acompanham as margens do rio e a inesquecível presença das aves coloridas e animais donos do lugar. Para o pincel de um sensível pintor (saudoso Veiga), toda aquela paisagem, com certeza, seria motivo para um extraordinário quadro. Bem, após o levantamento do acampamento, alguns companheiros, logo prepararam suas tralhas e saíram de barco, em algumas horas estavam de volta, todos animados com vários tucunarés, pacus e junto uma piranha que foi jogada na praia. Tempos depois andando pela praia a observar a beleza natural do local, deparei com aquela piranha abandonada que parecia morta. A curiosidade de examinar seus dentes fez com que eu agachasse e sacando a faca da bainha (pura sorte) coloquei-a entre as arcadas dentárias, para minha surpresa a “safadinha” ainda estava viva e parecendo ajuntar suas últimas forças, com um movimento rápido e enérgico trincou os dentes, senti na lamina sua força e o estrago que poderia provocar em algum tecido mole do corpo humano.
Outra condição que elas apresentam real perigo é quando na época das chuvas, acontece nos rios da Bacia Amazônica ou em rios do Pantanal o fenômeno da vazante em que as águas chegam invadir quilômetros de terra de suas margens. Com o passar desta época e o rio voltando ao seu leito normal, presenciamos a formação de centenas de lagoas e pequenos lagos sazonais, onde ficam aprisionados grandes espécies de peixes inclusive as piranhas, que com o decorrer do tempo as águas destes lagos vão ficando escassas e a disputa de espaço e alimento torna-se questão de sobrevivência. Então nestas condições realmente as piranhas ficam demasiadamente agressivas e ferozes, fazendo até jus a fama que lhes tem sido atribuída.
A fama e o estranho comportamento deste peixe curioso fez com que procurássemos na literatura alguns detalhes sobre as suas características. Começando pelo nome cuja genealogia é do tupi-guarani e é controvertido, assim : pirá = peixe + anhá = diabo (peixe diabo); ou pirá + ánha = dente (peixe dente) ou ainda pirá (peixe) + ãi = tesoura (peixe tesoura). Considerando sua posição na escala biológica (quadro I), podemos observar como fato isolado que ele pertence ao mesmo Filo dos tubarões.
QUADRO I
REINO |
|||
Animalia |
|||
FILO |
SUB-FILO |
||
Chordata |
Ganthostoma Vertebrata ( tubarão ) |
||
CLASSE |
SUB-CLASSE |
||
Osteichthyes |
Actinopterygii |
||
Chondrichthyes ( tubarão ) |
|||
ORDEM |
|||
Characiformes |
|||
FAMILIA |
SUB-FAMILIA |
||
Characidae |
Serrasalminae |
||
GÊNERO |
SUB-GÊNERO |
ESPÉCIE |
|
Serrasalmus |
(Pirambebas) |
||
Myleus |
|||
Pygopristis |
denticulatus |
||
Prytobrycon |
striloatus |
||
aureus |
|||
calmoni |
|||
serralatus |
|||
(Piranha Verdadeiras) |
|||
Taddyella |
tenetzi |
||
nattereri |
|||
Pygocentrus |
manuelli |
||
piraya |
|||
As piranhas estão enquadradas no gênero Serrasalmus e para se ter uma idéia do grande número de espécies existentes neste gênero é citado que só na América Central e do Sul são encontrado em torno de 800 e mais de 150 espécies que habitam a África. Os Serrasalmus são os únicos entre os peixes Characidae que tem uma série de unidos, afiados e cortantes dentes se dispondo em camada sobre ambos maxilares, bem adaptados para tirar uma boa peça carnuda de peixes ou de outros animais (Fig. 6). Os dentes são devidamente unidos e bem fixo ao osso e quando um dente está gasto ou quebrado, para substituí-lo um conjunto é trocado, diferentemente da maioria dos Characidae que a troca se faz dente por dente (Fig. 7).
Neste gênero Serrasalmus são agrupados cinco sub-gênero e destes, três denominadas Pirambebas que tem espécies pequenas e pouco agressivas. São eles Myleus , Pygopristis que tem em suas espécies jovens o corpo menos escuro, e o dorso delicadamente azulado, a porção ventral do corpo e a barbatana caudal amarelada ou laranja e o resto do corpo vermelho brilhante. Seus dentes têm cinco cúspides (lóbulos). São encontradas principalmente nas Guianas e eventualmente no Amazonas. O terceiro sub-gênero Prytobricon tem o corpo plano e discóide, com a boca pequena e não vivem em cardumes, mas ficam em volta de cardumes de espécies mais ferozes para aproveitar da alimentação restante. Tem o focinho curto e o corpo mais escuro com uma marcada pinta humeral e várias outras pequenas espalhadas pelo corpo, a barbatana dorsal fica atrás da metade do corpo. Os dois outros sub-gêneros ( Pygocentrus e Taddyella ) são chamadas de Piranhas Verdadeiras que além de ter um porte maior são mais vorazes e violentas. As espécies de piranhas perigosas são em número pequeno e não difere muito uma das outras. Os membros do Taddyella são realmente mais perigosas, algumas de suas espécies são encontradas no Rio Paraguai as S. tenetzi e as piranhas vermelhas S. nattereri comum na Bacia dos Rios Amazonas e Orinoco (Fig. 8 e 9). As espécies mais conhecidas do sub-gênero Pygocentrus são a S. manuelli (Fig. 10) e a S. piraya (Fig. 11 e 12) são encontradas basicamente no Rio São Francisco e são muito temidas.
Entre as tribos do Xingu usam-se os dentes de piranha no preparo de flecha, no corte do cabelo e dos fios de buriti, além de muitas outras utilidades. Para isto os índios preparam a mandíbula da piranha de meia-idade que tem os dentes mais afiados. A carne da piranha, apesar de possuir muitos espinhos, não é de má qualidade. Existe a crença que a sopa feita com piranhas é um alimento afrodisíaco. Acreditamos que o alto teor de proteínas especiais da carne desta espécie de peixe que é o responsável pelo aumento do vigor físico daqueles indivíduos que usufruem regularmente desta carne em sua dieta, não propriamente dito que seja um alimento estimulador de apetite sexual.
É importante salientar que os predadores em todos os grupos de animais desempenham papel fundamental para o controle da população, mantendo em equilíbrio outras espécies. Não é só ignorância como perigoso para o frágil equilíbrio ecológico a repressão dos predadores. O homem tem reprimido seus predadores em larga escala e tem sentido em vários níveis a conseqüência destes atos mal pensados e balanceados. Portanto, quanto mais conhecermos comportamento de nossos companheiros de habitação do planeta, mais poderemos desfrutar dos lazeres e alegrias tão necessárias ao homem, sem trazer conseqüências drásticas para o sistema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01 – Norman, J. R. A history of Fisches, 3 ed. By P.H. GREENWOOD D.S.C. London. Enerst Benn Limited, 1975.
02 – Enciclopédia Barsa – Elaborado com a assistência Editorial da Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Rio de Janeiro – São Paulo – 1990.
03 – Especial – Peixes Perigosos, Revista Aruanã ano III, nº 14, p. 16-21, fev. 1990.
04 – GERY, J. Characoids of the worlds, editado por G.S. Myers TFH Publications, ano ?.
05 – LAGLER, K.F.; BARDACH, J.E; MILLER, R.R. Ichthyology, John Wiley and Sons, Inc., New York.London – University of Michigan – Ann Arbor, Michigan.
06 – www.maritimelondon.com/images/fish-piranha01.jpg ac
07 – http://space.mit.edu/home/kenton/Amazon/Welcome.html
08 – http:// story.news.yahoo.com/…/photos_sc_afp
09 – www.projectamazonas.com/ Images/Flora&Fauna/Fl…
10 – www.fleckenzwerge.net/Tiere/Piranha/Piranha.htm
11 – www.mosnews.com/news/2005/05/12/piranhainsaransk.shtml
12 – outdoor-connection.com/Freshwater_Black_Piranhas_Brazil.htm
13 – www.natuurinformatie.nl/…/ i000452/piranha.jpg
14 –fogato.com/diorami/foresta_inondata/modelli_lavorazione/piranha_lavoraz1.html
15 – www.hobster.co.uk/Images/Amazonia/image123.htm
Mestre e Doutor em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP).
Professor Titular da Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de odontologia da Universidade de Santos (FOUNIMES).