O Limiar das Zoonoses
Quando Louis Pasteur desenvolveu importantes experimentos, em 1882, conquistando inúmeros adeptos, dentre os quais ilustres veterinários da época, o eminente cientista enveredava, em realidade, por um campo que haveria de ganhar foros de notoriedade, e que hoje é conhecido como o das zoonoses. Daqueles estudos, os médicos veterinários extraíram a base para produção de vacinas e soros, que permitiram o controle mais ou menos rápido de uma das mais graves doenças infecto-contagiosas, a Raiva.
A Organização Mundial de Saúde conceitua hoje como zoonoses, as enfermidades transmissíveis dos animais vertebrados ao homem, e as que são comuns ao homem e aos animais. No primeiro grupo, os animais desempenham uma função essencial para que a infecção se mantenha em a natureza, e o homem é apenas um hospedeiro acidental; no segundo grupo, tanto os animais como o homem contraem a infecção das mesmas fontes, tais como o solo, a água, os animais invertebrados e as plantas; os animais, via de regra, não desempenham papel essencial no ciclo vital do agente etiológico, podendo contribuir, contudo, em grau variável, para a distribuição e transmissão das infecções.
A adaptação dos animais às áreas urbanas está associada a simbioses, parasitismos e outros fenômenos ecológicos vinculados à presença do homem; nas grandes cidades, atualmente, o homem e os animais compartilham o mesmo ambiente e os mesmos perigos. As populações que se transferem às cidades, levam consigo os seus animais domésticos e, nessas regiões, especialmente em suas periferias, os serviços de coleta e destino de lixo são precários; há carência de água potável, aterros sanitários e drenagens das águas, que dificultam a ocupação do solo pelo homem, além de favorecerem a proliferação de insetos e roedores.
Outros fatores que têm contribuído para a expansão das zoonoses são a penetração do homem em novas áreas geográficas e zonas ecológicas, para colonização ou desmatamento e a disseminação de novas espécies de animais entre as populações humanas. As mutações genéticas podem, igualmente, causar o aparecimento de novas zoonoses; um parasita contaminando o animal pode sofrer mudança genética e se adaptar ao homem. Além do agente infeccioso, dos hospedeiros e do meio ambiente, os fatores sociais, políticos e econômicos, são responsáveis pelo aparecimento ou recrudescimento das zoonoses na comunidade; a má qualidade de vida de uma grande parte da população favorece o desenvolvimento das enfermidades.
Outro aspecto a analisar, refere-se aos danos provocados pelas zoonoses à economia, principalmente em países subdesenvolvidos, onde a incidência é mais significativa, podendo causar a incapacitação física ou mental de grande número de indivíduos na faixa etária mais produtiva.
A luta contra as zoonoses no Brasil está no começo; as informações disponíveis não mostram a verdadeira situação existente, pois os dados sobre ocorrência, incidência e prevalência da maioria das zoonoses, são raros ou inexistentes. Apesar das zoonoses mais conhecidas serem trabalhadas com certa intensidade, muitas outras não menos importantes para a Saúde Pública, não são notificadas, nem têm programas de controle, para que possam ser avaliadas dentre as 150 zoonoses descritas na América Latina e Caribe, pela Organização Pan-americana de Saúde. Esta foi, está sendo e sempre será, uma triste realidade decorrente de administrações tecnocratas, insípidas e inescrupulosas, que perpetuam seus interesses, no comando da Saúde Pública dos sofridos rincões do nosso enfermo Terceiro Mundo.
O feedback ao valoroso trabalho de Pasteur, em sendo extremamente negativo, continua, acentuadamente, a inibir o entusiasmo heróico de poucos remanescentes do sanitarismo voltado para o interesse social coletivo.
Este é o nosso quadro! Resta-nos avaliar e refletir sobre a nossa parcela de responsabilidade, como médicos veterinários.
CRMV-SP nº 11996