As particularidades nutricionais dos gatos
Eles conquistam pela graça, agilidade e o espírito independente e desafiador. As redes sociais estão repletas de fotos e vídeos dos bichanos expondo toda a sua beleza e travessura nas mais divertidas situações. Em alguns países- como Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra- eles são os animais de estimação em maior número. No Brasil, os cães lideram. No entanto, segundo o IBGE, a população felina já chega, atualmente, a 22,3 milhões.
Os tutores de gatos sabem que eles são repletos de particularidades- inclusive quanto aos hábitos alimentares.
Para entendermos as origens destas diferenças é necessário que exploremos a árvore filogenética dos cães e gatos. Embora ambos pertençam à classe Mammalia e à ordem Carnívora, eles são de diferentes superfamílias: os cães estão incluídos na Canoidea que reúne famílias de diferentes hábitos alimentares e, além dos carnívoros, incluem espécies onívoras e herbívoras (como os ursos pandas); já os felinos pertencem à Feloidea que é formada por famílias estritamente carnívoras.
Por terem ancestrais que se alimentavam exclusivamente de carne, os gatos domésticos têm algumas particularidades metabólicas. Assim, eles têm maior necessidade de proteína e do aminoácido arginina, precisam de taurina na dieta, além de ácido araquidônico (um ácido graxo ômega-6) e vitamina A pré-formada.
A maior exigência proteica ocorre porque as enzimas do metabolismo do nitrogênio não conseguem ser reguladas em resposta a baixas concentrações de proteína na dieta como estratégia para conservação desse nitrogênio. Além disso, essas enzimas têm alta atividade e grandes quantidades de aminoácidos são catabolizadas para geração de energia.
A arginina é usada na síntese proteica, mas também é importante no ciclo da ureia, ou seja, ela contribui para que a amônia gerada durante o catabolismo de aminoácidos seja convertida a ureia para a posterior excreção. Quando há deficiência de arginina ocorre uma falha neste ciclo, os níveis de amônia se acumulam e o animal pode apresentar graves sintomas que incluem vômito, espasmos musculares e podem evoluir para coma e morte. Muitos animais conseguem sintetizar a arginina a partir da síntese de ornitina (proveniente dos aminoácidos glutamato e prolina) no intestino. No entanto, os gatos possuem deficiências enzimáticas que impedem essa conversão.
Já a taurina é um aminoácido livre, ou seja, não faz parte da composição das proteínas, mas é essencial para o funcionamento do músculo cardíaco e da retina, por exemplo. Além disso, ela conjuga com ácidos biliares para a formação da bile (que faz a emulsificação das gorduras, uma etapa primordial na digestão). É derivado dos aminoácidos sulfurados metionina e cisteína e, assim como acontece com a arginina, deficiências enzimáticas impedem que os felinos a sintetizem a partir dos aminoácidos precursores. Por esse motivo, ela é obrigatória na dieta. Degeneração retiniana central e cardiomiopatia podem ocorrer como consequência de deficiências.
O ácido araquidônico é um ácido graxo da série ômega 6 presente nas membranas celulares e precursor de substâncias denominadas eicosanoides. No entanto, eles não conseguem sintetizá-lo a partir do precursor ácido linoleico.
Com relação à vitamina A, você já deve ter ouvido dizer quando era criança que coelho não tem problema nos olhos porque come cenoura ou que é bom comer cenoura para não usar óculos. Essa crença vem do fato de que parte das exigências de vitamina A (uma vitamina lipossolúvel) pode ser obtida a partir do beta caroteno, um carotenóide presente nos vegetais amarelos e alaranjados. Essa conversão ocorre pela presença de carotenases no intestino e a eficiência varia de espécie para espécie. No entanto, gatos são incapazes de realizar esta conversão e, por esse motivo, necessitam de vitamina A pré-formada na dieta.
Outra particularidade da nutrição dos gatos é a baixa eficiência para regular o seu consumo de água. Isto ocorre, pois eles evoluíram de espécies desérticas e é essencial dar atenção a ela, pois essa característica aliada a capacidade de concentrar mais a urina pode ser um fator de risco para animais predispostos a desenvolverem cálculos. Aumentar a ingestão de água oferecendo alimento úmido como parte da dieta diária pode ser uma boa escolha no cuidado com o bichano.
Quanto ao comportamento alimentar, gatos têm como ancestral o pequeno gato selvagem. Estes animais têm como característica fazer pequenas caças ao longo do dia para atender as suas necessidades energéticas e nutricionais. Por esse motivo, gatos fazem várias pequenas refeições ao longo do dia em um comportamento denominado petiscador.
Agora, dá pra ter uma pequena ideia do motivo pelo qual, nos últimos anos, surgem cada vez mais profissionais especializados em felinos e em nutrição, não é mesmo? E veja que falamos apenas de particularidades nutricionais… Gatos são mesmo fascinantes!
Médica Veterinária, Dra. em nutrição de cães e gatos.