Como ajudar as crianças a suportar a morte de seu animal de estimação
O papel do médico veterinário tem se expandido em reconhecimento ao forte laço emocional entre as pessoas e seus animais de estimação. É importante que o médico veterinário seja mais que um bom clínico, um bom cirurgião. Ele precisa ter sensibilidade suficiente para conduzir o tratamento com grande respeito tanto pelo animal quanto por seus proprietários (esta conduta é que se diferencia o verdadeiro médico veterinário do mero técnico veterinário).
Cabe ainda ao médico veterinário, a função de orientar seus clientes na resolução de problemas, principalmente quando o assunto é a morte do animal de estimação. A resposta de uma criança frente a morte de seu animal de estimação depende basicamente de 4 fatores:
1-O significado do animal para a criança
Os animais de estimação significam muitas coisas para as crianças e todas elas são extremamente importantes. Citando apenas alguns exemplos simples, temos: No caso de bebês, os animais de estimação proporcionam companhia e segurança em situações novas, como o começar a engatinhar.
Para as crianças pequenas, servem como ponte de relações com outras crianças, pois os mascotes costumam atrair a atenção de outras crianças, rompendo o gelo das comunicações. A medida em que as crianças crescem, percebem que nem sempre contam com a aprovação dos pais.
O mascote, pelo contrário, se mantém firmemente como um amigo que jamais julga. Quando se tornam adolescentes, e começam os conflitos familiares, origina-se o desejo mútuo de separar-se e ao mesmo tempo unir-se.
O mascote facilita o passo dos adolescentes proporcionando segurança e consistência, oferecendo a eles a possibilidade de abraçar alguém sem ser considerado infantil. Quando os laços entre as crianças e seus mascotes são rompidos, elas experimentam uma profunda dor emocional. Este é um momento crucial no desenvolvimento da criança e de todo ser humano : aprender a viver com a perda de uma relação significante.
É importante ter conhecimento sobre os diversos níveis em que a morte é compreendida pela criança. Existem etapas definidas de consciência da morte que geralmente corresponde a idade cronológica.
2- Idade da criança
( níveis de desenvolvimento da consciência da morte pela criança )
Do nascimento aos 5 anos de idade, a maior parte das crianças tem dificuldade para compreender a morte. A morte não é considerada um estado permanente e sim temporário. Se suas necessidades primárias forem adequadamente supridas, a morte do mascote provocará pouca alteração em suas vidas.
Cabe aqui lembrar que a expressão “pôr para dormir”, frequentemente usada como referência a eutanásia, pode produzir compreensão errada e medo nas crianças, que igualam a morte ao sono. O veterinário deve orientar os pais a usar expressões como “ajudar a morrer” , “facilitar sua morte”, que produzem alívio e são mais claras para as crianças.
As crianças entre 5 e 9 anos já compreendem que a morte é final e irreversível. Aqui a criança toma consciência de que a mortalidade existe para todos os seres vivos, incluindo seus entes queridos e elas próprias.
3- Morte previsível ou inesperada
Se a morte do animal de estimação é previsível, devido a idade avançada ou a uma doença incurável, ela deve ser abertamente discutida em família. As crianças muito novas, por não compreenderem o que a morte realmente significa, se sentirão alarmadas se a morte eminente de seu mascote for rodeada por cochichos sigilosos.
Se a morte é o resultado de uma enfermidade crônica, a criança deve ser advertida e preparada para a separação. No caso de crianças muito pequenas, é mais importante proporcionar-lhes apoio emocional do que qualquer explicação detalhada.
É importante diferenciar o tipo de doença de que o mascote padece, das doenças normais que eventualmente acometem as crianças e seus parentes. Se esta diferença não ficar clara, as crianças muito pequenas podem se assustar com seus próprios mal-estares e de seus entes queridos.
Elas precisam estar seguras de que mesmo perdendo seus mascotes, seus pais continuarão a seu lado. Se a morte precisar ser por eutanásia, as crianças suficientemente maduras devem participar da tomada de decisão.
Isto é particularmente importante no caso dos adolescentes, que costumam sentir que suas vidas estão fora de controle. Se o adolescente estiver o suficiente maduro e desejar acompanhar a eutanásia, deve ser permitido, desde que sua presença não interfira no procedimento médico. Isto permite um adeus final, previne fantasias acerca da situação e mostra ao adolescente, que a morte pode ser tranquila e reconfortante.
Se uma criança pequena presencia a morte de seu mascote em um acidente, por exemplo, as imagens desagradáveis ou mórbidas devem ser evitadas, mas por outro lado, a criança deve ser estimulada a falar sobre o assunto. As explicações sobre o porquê e como ocorreu o acidente devem ser dadas em uma linguagem clara e simples.
4- Explicações
Como a morte é explicada à criança algumas vezes, com a intenção de polpar a criança, os pais acabam criando traumas psicológicos inadivertidos. Se é dito a uma criança que seu animal de estimação fugiu, em lugar de dizer que morreu, ela se sentirá insegura e abandonada.
Dizer que o animal foi morar com outra família, pode ter as mesmas consequências. As explicações religiosas, tais como, o mascote foi para o céu, porque Deus leva as criaturas boas para o paraíso, podem provocar a revolta contra Deus e mal comportamento, porque a criança não quer ser tirada do seio familiar por ser boazinha. Os pais muitas vezes para evitar a dor de seus filhos, pedem ao veterinário que minta sobre o estado real do animal.
O veterinário deve manter-se firme e aconselhar os pais a dizerem a verdade. É necessário que os pais compreendam que ensinar a suportar a dor da perda é uma importante lição de vida para a criança. Além do que, quando surgir a verdade, a criança sofrerá com a perda do mascote e a perda de confiança em seus pais.
As crianças devem ser estimuladas a compartilhar todos os seus sentimentos. Nunca deve ser dito às crianças que “elas são muito grandes para chorar ” e, seus sentimentos não devem ser deixados de lado.
Os pais devem estar preparados para responder as mesmas perguntas diversas vezes, pois isto mostra que a criança está tentando entender a perda. Os adultos devem compartilhar seus sentimentos com as crianças.
O ocultamento de seu sofrimento não protege as crianças, pelo contrário, confunde e assusta , pois elas percebem que o adulto está imerso em fortes emoções ao mesmo tempo que as nega.
O adulto deve mostrar às crianças que não há nada de errado em expressar e suportar sentimentos dolorosos até que eles se extinguam. Ajudando a criança a superar a dor da perda
A maioria dos pais tende a substituir rapidamente o animal de estimação por outro, com a intenção de suavizar a dor normal da criança. Uma substituição demasiadamente rápida, pode inibir um sentimento sadio e fazer com que a criança recuse o novo mascote, para evitar o que para ela seria uma traição ao anterior. Também pode criar a falsa idéia de que tudo pode ser facilmente substituido , incluindo ela mesma.
Não há regras para saber o momento ideal para dar um novo animal de estimação para a criança, porém o veterinário deve aconselhar os pais a observar o seguinte:
A criança consegue falar sobre o mascote perdido sem experimentar grande dor?
A criança pode falar em ter um novo mascote sem se sentir desleal com o anterior ?
A criança quer ter a mesma espécie de mascote ?
Quer que seja da mesma raça do anterior ?
Gostaria de dar outro nome ?
O veterinário pode sugerir uma variedade de atividades familiares que poderão ajudar a amenizar a dor da criança e até prepará-la para receber um novo animal de estimação. As famílias podem ver juntas fotografias do mascote perdido. Devem conversar sobre o que gostavam e não gostavam no animal. As crianças com menor comunicação verbal podem escrever estórias e fazer desenhos. Os pais podem criar um local em memória ao mascote, incorporando sugestões das crianças.
Quando recebem afeto e apoio emocional adequado, as crianças são capazes de suportar a morte de um animal de estimação com pouco ou nenhum trauma.
Se, no entanto, os sentimentos das crianças forem negligenciados pela família, elas poderão sofrer reações extremas ante a perda do mascote, que poderão se manifestar da seguinte forma : Não querer ficar longe dos pais Aumento do nervosismo e perda da autoconfiança Pesadelos constantes Acidentes em crianças com bons hábitos de higiene Em adolescentes aparecem mal estares frequentes, como dores de cabeça e estômago Problemas de comportamento e baixo rendimento escolar Incapacidade de concentração e aprendizado Nestes casos é muitas vezes necessária a orientação de um psicólogo.
Portanto, aos pais cabe o papel de servirem como modelo para seus filhos, por isto, todas as suas atitudes e decisões são muito importantes e afetam diretamente as crianças. Vale lembrar que a forma como um adulto trata um animal, fala com um animal, como manuseia um animal, é tida como modelo para as crianças. Por este motivo, a decisão de possuir ou não um animal de estimação em casa é uma decisão tão importante, que jamais deve ser tomada por um impulso. É um assunto que deve ser discutido em família, avaliando-se todos os prós e contras. É preciso ter em mente, que quando levamos um animal de estimação para casa, estamos nos tornando responsáveis por sua vida e que um animal de estimação é um ser vivo que não pode ser simplesmente descartado quando não nos serve mais. A ligação emocional entre uma criança e seu mascote é muito maior do que nos parece, e isto transforma a responsabilidade de um adulto pela aquisição de um animal muito mais séria do que ele é capaz de imaginar.
Médica Veterinária CRMV-SP 3652
zoofarma@uol.com.br
Este artigo foi baseado no trabalho
da Dra. Carole E. Fudin, PhD Pet / People Problems Nova York /USA