Saúde Animal

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Killifishes – Reprodução e perpetuação na natureza

O processo de reprodução e perpetuação dos Killifishes anuais, na natureza, a princípio pode parecer complicado, porem se analisado em etapas, poderá ser facilmente compreendido, até mesmo por aquaristas com alguma experiência, porém desconhecedores desse gênero.

Inicialmente vejamos as principais características dos peixes que compõem este grupo.
Como sabemos as Cynolebias são os representantes dos Killifishes anuais em nosso estado, sendo peixes que para perpetuarem a espécie, depositam seus ovos na lama fina que constitui o substrato de seus biótopos. Para efetuarem esta postura, as Cynolebias possuem maneiras diversas, como veremos.
Algumas espécies mergulham no substrato, o casal simultaneamente, enterrando assim seus ovos, chamados de Killifishes anuais mergulhadores.
Outras espécies efetuam a postura na superfície do substrato, e ao se retirarem revolvem o mesmo, enterrando os ovos, chamados de Killifishes anuais aradores.
Existe uma espécie (única observada) que efetua a postura sem tocar o substrato, e também uma única espécie onde o macho fecunda os ovos no ventre da fêmea (fecundação interna), e a mesma os deposita após certo período, sem a necessária presença do macho.
Para ilustrar este processo, tomaremos como exemplo Cynolebias minimus, pois sendo a Cynolebias de maior distribuição em nosso Estado, certamente será a de mais fácil localização pelos aquaristas, que se dedicarem a pesquisa e preservação dos Killifishes.
Seu acasalamento é precedido de um ritual, no qual o macho executa uma série de movimentos em torno da fêmea, como se fosse um ballet, procurando “conquistá-la”, realçando seu colorido e abrindo ao máximo suas nadadeiras impares e contorcendo o corpo em um movimento sinuoso. Neste ponto a fêmea fica parada a meia água, como que atraída pela “coreografia” do macho, que a seguir toca o solo com o focinho, em diversos pontos, parando repentinamente coloca-se junto ao substrato, em um angulo de 45 graus, com a cabeça enterrada no mesmo movimenta sua nadadeira caudal, como que “chamando” a fêmea, que coloca-se ao seu lado, quando o mesmo posiciona seu corpo sobre o dela, comprimindo-a no substrato, ficando estes com os corpos tortos, em forma de concha, sofrendo então, ambos, um tremor que é seguido da postura do ovo, que é fecundado. Após alguns segundos o casal sai nadando, levantando certa quantidade do substrato, suficiente para cobrir o sulco deixado pelos seus corpos, enterrando o ovo depositado, o que os caracteriza como Killifishes anuais aradores. Este ato é responsável pela perpetuação da espécie, porém para que isso ocorra é necessário que todo um sistema natural de desenvolva, cujo processo analisaremos a seguir.
Quando acontece a primeira chuva forte, no início da Primavera, ocorre a formação das poças. Sob o efeito da gravidade, a água vai se depositar na parte mais baixa do terreno, formando um pequeno lago que normalmente possui profundidade variando entre 30 cm a 1.20 metro. A partir dessas condições, tem início um trabalho regido pelas forças da natureza.
O solo da depressão está coberto por uma camada de gramíneas ressecadas, e abaixo dessa existe outra camada, constituída de matéria vegetal e orgânica (dejetos animais) decompostas. A água ao inundar a depressão, faz flutuar essa matéria decomposta, e penetra pela camada seca da terra, que sob a pressão da água torna-se uma camada de lama fina; a camada mais abaixo, que guardava alguma umidade, e na qual se encontram os ovos provenientes das desovas de populações anteriores, é também alcançada pela água, e tem início uma mudança química neste solo, proveniente do contato da água com diversos tipos de materiais depositados no decorrer do período (anterior) ativo do biótopo, dando origem a alguns gases, entre eles o gás carbônico, que é de vital importância no processo de rompimento da casca do ovo (córion). O período que dura essa primeira fase da poça, é de aproximadamente 24 horas, entretanto quando os primeiros alevinos conseguem romper o córion e a camada de solo (lama) que os separam do espelho d’água, o qual deverão superara e chegar a superfície, afim de encherem com oxigênio suas bexigas natatórias, para assim garantir um perfeito equilíbrio e controle ao nadar, encontrarão uma ampla gama de vida em franca expansão, constituída de diversas espécie de micro organismo (infusórios), provenientes da matéria vegetal e orgânica, formadas durante o período anterior de existência da poça, e que flutuou durante a cheia atual.
Estando assim os recém nascidos nadando nesta “sopa de nutrientes”, se alimentarão e desenvolverão minuto a minuto, porém, não só eles terão esse privilégio, outras espécies como rotíferos, mosquitos (larvas) e pequenos insetos que servirão como alimento, em um estágio de crescimento futuro, e insetos de maior porte, que atuarão como predadores dos Killifishes, servindo assim como peça fundamental no processo de seleção natural. O crescimento destes peixes (de alevino a maturação sexual), em seu biótopo natural, ocorre em curto espaço de tempo, aproximadamente 25 dias (Cynolebias minimus). Considero esse ponto como sendo o “término” da segunda fase da poça.
A seguir tem início a fase que considero a mais importante, relacionada a sobrevivência e perpetuação da espécie, pois senão vejamos.
Ao ocorrer a maturação sexual da população, é definida a relação macho/fêmea da mesma, que estará em torno de três machos para uma fêmea. Entretanto esta razão, que a princípio aparenta ser desproporcional, se equilibrará no decorrer da fase reprodutiva, principalmente sob a ação da seleção natural, pela qual a população passará.
Dentre os machos existentes na população, uma parte se destacará pelo rápido desenvolvimento em relação aos demais. Estes machos irão subjugar os demais, definindo seus domínios (territórios) nas partes intermediárias do biótopo, entre a margem e o fundo da poça, onde estarão seguros de grande parte dos predadores (aves, insetos de superfície e aéreos e o próprio homem), bem como encontrarão abrigo, quando necessário, entre as taboas (Typha sp.), que ocorrem a partir desta região até a parte central da poça, que nesta fase já estarão desenvolvidas, provenientes dos bulbos preservados no solo úmido, durante o período seco da poça.
O macho dominante preserva seu espaço, lutando e afugentando qualquer outro que adentre seu domínio. Assim sendo, esses espaços por possuírem pouca concorrência, apresentarão considerável quantidade de alimento, se constituindo em atrativo para as fêmeas, que ao se aproximarem do macho serão envolvidas pelo ritual já descrito, que irá culminar com a desova. Isto ocorrerá com todas as fêmeas que cruzarem os domínios destes “garanhões” da espécie. Porém, como tudo na natureza possui um preço, estes machos serão vítimas de um processo de envelhecimento rápido, devido a aceleração do metabolismo, motivada pela atividade constante e a luta pela preservação de seu território. No transcorrer desta fase, ocorrendo nova chuva teremos um prolongamento do período, pois a poça além de receber água nova, terá seu nível e a área alagada aumentados, proporcionando oportunidade aos machos “dominados” de participarem do processo de desova, como também receberá quantidades de matéria orgânica provenientes das áreas adjacentes, que irá proporcionar o desenvolvimento de uma nova cadeia alimentar.
Porém, chegará o momento no qual terá início a fase terminal da poça, a qual dependerá de três fatores: a precipitação pluviométrica, a infiltração no solo do biótopo e a evaporação. Nessa última fase podemos constatar os efeitos da vida ativa de sua população, pois ao contrário do início da fase reprodutiva, vamos encontrar uma relação macho/fêmea em torno de cinco fêmeas para um macho.
Mas nem tudo na natureza é só beleza, e como exemplo podemos citar esta ultima fase de um biótopo de Killifishes anual. Com a evaporação da água do ambiente, o ciclo alimentar entra em colapso, a concentração de sais e poluentes aumenta perigosamente, o PH baixa a níveis insuportáveis, tornando a água inadequada a vida. A partir de então a poça existirá por mais alguns dias, ao final dos quais só restará a depressão vazia, onde a única lembrança da explosão de vida ocorrida, são os ovos enterrados no solo, contendo os mesmos a herança genética de uma população de peixes, únicos em suas características.
Este trabalho mostra (em síntese) o que ocorre no interior de um biótopo, a partir do momento em que o mesmo se realiza, proveniente da cheia de uma depressão, possuidora de um tesouro ecológico em seu solo.
Para facilitar, dividi (teoricamente) a vida útil do biótopo em quatro fases:
– a formação da poça
– o surgimento da vida e crescimento dos peixes
– a seleção natural, o acasalamento e a desova
– e o término da poça, a morte que perpetua a vida
Quando afirmo que um biótopo de Killifishes anual é um ambiente altamente vulnerável, não estou exagerando, como pode ser confirmado neste trabalho, que se baseou em dados reunidos de pesquisas que venho efetuando desde 1988, em biótopo na localidade denominada Seropedica, próxima a Itaguaí – RJ.
Constatamos a importância dos dejetos animais, depositados na poça em fase de cheia, a exemplo do que ocorre nos biótopos de Nothobranchius, na África, como também no período em que a poça permanece seca, a exemplo dos biótopos de Cynolebias minimus, localizados em pastagens de gado bovino, uma vez que este material é de vital importância no surgimento e desenvolvimento de uma grande variedade de microorganismos, que servirão de suporte ao desenvolvimento de outros organismos que irão compor a cadeia alimentar da população de Killifishes, habitantes do biótopo.
Outro fator a ser ressaltado, refere-se a segurança sob a qual ficam os ovos enterrados no subsolo do biótopo, durante o período em que o mesmo permanece seco. Ao contrário do que parece, além da mudança de estrutura que vem sofrendo o biótopo de Seropedica, desde l989, proveniente de constantes retiradas de terra nas partes mais altas da depressão, deixando o terreno desprovido de vegetação, e assim propício a erosão, que transforma o solo em areia, que é depositada diretamente no biótopo. No segundo semestre de 1992, mais precisamente em Setembro, ocasião em que o biótopo encontrava-se seco, teve sua vegetação totalmente queimada, provocada por moradores do local, destinada a renovação de pastos. Devido ao estado em que ficou a depressão, acreditei estivesse extinta aquela população. Porém, como uma lição de força da natureza, em Dezembro do mesmo ano, encontrei a poça composta, constatando a presença de população ativa.
Tudo isto demonstra o quanto é perfeita a natureza, até mesmo após a interferência do homem.

Killifishes
O Killiofilo e o Biotopo.
Reprodução e perpetuação na natureza
Killifishes – Características Reprodutivas

Francisco Moutinho - piscicultor - Rio de Janeiro/RJ